A paranoia é uma quase-ação primária (comportamento intrínseco/expressão direta do organismo) da esquizofrenia, mas pode ter uma outra causa, ou seria melhor, uma explicação mais sutil do porquê de acontecer, e o meu palpite de agora é de que se consistirá na baixa tolerância por parte de pessoas com tendências psicóticas em relação à ambiguidades interpessoais, que basicamente delineiam boa parte das relações humanas. Falo por experiência própria. Voltemos à diferença entre paranoia irracional e racional.
Um indivíduo que exibe habilidades de ''leitura da mente'' ou de intencionalidade, não apenas por parte das pessoas, dos seres humanos, dos seres em geral, mas também em relação ao ambiente, à própria realidade, que estão fora de controle, serão muito mais propensos a se interessarem/desconfiarem de uma maior proporção de elementos que estão em interação consigo, se comparado com os neurotípicos. Como resultado, a cura do caos será a ordem. O cérebro ao se encontrar em uma situação mentalmente beligerante ou progressivamente caótica buscará pelo oposto, como sempre, uma resposta extremada, binária, e portanto buscará pelo ordenamento binário ao invés da tolerância pela ambiguidade, e claro, também no caso das interações interpessoais. Como resultado, o cérebro força a ordem, só que o ambiente social e interacional humano não é tão ordenado assim, porque as pessoas estão sempre mentindo umas pras outras, seja porque desejam ser mais empáticas com as outras, como a maioria das mulheres geralmente fazem, seja para esconder os seus defeitos, ou exagerar as suas qualidades, e muitas vezes de modo subconsciente, como a maioria dos homens, pelo que parece, tendem a fazer.
Em um mundo em que mentiras não são apenas toleradas mas usadas com grande frequência, alguém que deseja ordenar este caos, sofrerá muito mais, e provavelmente não conseguirá com êxito endireitar o mundo densamente povoados de mentiras que se consiste o mundo social humano.
Para piorar, as pessoas [neurotípicas] costumam ser ainda piores com aqueles que exibem características exuberantes ou que se pintam dessas cores, isto é, que se sobressaem ao falso mundo de camuflagem neurotípica, de forçada/prensada igualdade de crenças, opiniões e atitudes.
Então, vamos imaginar hipoteticamente falando que você, que é um rapaz bonito e comum, decide fazer um experimento social, se vestindo de mulher e andando pelas ruas, durante um ano. De início geralmente como parece ser comum acontecer, você acreditará que ''tirará de letra''. No entanto, ao longo do tempo você vai percebendo o quão mentiroso e sim, vil, se consiste o mundo social humano, especialmente para os que se destacam mais, porque muitas pessoas serão falsas consigo, e pelas costas falarão mal de ti, mas não se preocupe porque você provavelmente já fez isso, todos nós.
Todo dia você vai na padaria comprar pão e percebe que as pessoas olham pra ti e que as suas vestimentas despertam nelas uma diversidade, geralmente negativa, de reações. Isso não acontece de vez em quando mas a todo momento em que você precisa interagir com pessoas de fora. Todo dia você escuta piadinhas, risadas de fundo e muitas vezes você será explicitamente humilhado.
Antes que pense que eu estou apenas relatando o meu dia a dia, pode reconsiderar, porque eu não um transexual. No entanto, esta hipotética situação reflete parte do meu cotidiano, especialmente de anos atrás, menos pelo que eu mostro às pessoas, ainda que não seja lá um ''abre-alas nota 10'', longe disso, mas especialmente em relação àquilo que eu penso/já pensei sobre mim e que eu penso que as pessoas pensam sobre mim (e que de fato, pensam, muitas delas).
A ambiguidade interpessoal começa aí, pois se eu não consigo ter o controle do que as pessoas pensarão sobre mim, e eu estou constantemente interagindo com elas, e percebendo ora sim ora não atitudes implícita a explicitamente negativas, o meu sistema de defesa ficará muito mais alerta do que ficaria em um ambiente menos hostil. E quando a sua mente também é um ambiente hostil, então a situação é muito provável que piorará de maneira significativa. Outro traço complementar de uma mente pré a paranoica é a super-análise que a mesma usualmente faz quando exposta a estímulos de natureza mentalista, por exemplo, quando você está passeando pela rua e algumas pessoas riem em sua direção, e você passa a se questionar se aquela atitude, foi dirigida diretamente à sua pessoa, do porquê que estavam rindo em sua direção, se eles sabem que você, ''tem' baixa autoestima, ou se sabe que está escondendo da maioria que é homossexual ou que é atrapalhado, enfim... Esta insegurança causada por uma interpretação inicial ambígua de certo estímulo mentalista tende a se desdobrar na paranoia, que poderá ser prevalentemente irracional ou racional. Você pode estar desconfiando bizarramente que o seu vizinho está querendo te matar, por razões bizarramente fabricadas em sua mente, via apofenia ou padrões equivocados. E de fato, a partir de uma narrativa factualmente coerente, ele pode estar querendo te matar.
As pessoas que são mais cognitivamente mentalistas, tendem a ser mais auto-centradas e portanto a maneira com que abordam o mundo tende a ser igualmente mais centrado em si mesmas.
Por outro lado os autistas e adjacentes (espectro neurotípico do autismo ou similar ao autismo), apesar de também padecerem de comorbidades ou quadros sintomatológicos que se relacionam com o espectro hiper-mentalista/de intencionalidade interpessoal ou psicótico, também serão mais propensos a buscarem sanar ou dar ordem à ambiguidades impessoais, que geralmente se relacionam com ''coisas'', 'fenômenos' ou ''não-seres''. É a partir daí que nasce a ciência, a filosofia, enfim, a tudo aquilo que o ser humano já criou e que se expresse como ''ordenamento consciente da realidade''.
Todos nós temos ou apresentamos esta tendência de dar ordem á (suposta) desordem que se consiste a realidade (e que já falei que apesar da existência da desordem e mesmo do caos, a realidade é claramente lógica, do contrário, a vida sequer seria possível pois necessita de estabilidade ou de ordenamento/funcionamento, ainda que sem sentido conhecido, a realidade e a vida ''funcionam''/se sustentam/podem e geralmente se estabilizam, superficialmente falando). O que ''nos diferencia'' em relação à hiper-mentalistas e hiper-mecanicistas é o grau de intensidade, tanto para a tolerância para ambiguidades/desordem interpessoal quanto para tolerância para ambiguidades/desordem impessoais.
E é relativamente mais fácil encontrar padrões nas coisas do que nas pessoas, que costumam ser auto-confundíveis por excelência.
O hiper-mentalista não-psicótico ou pré-psicótico ao psicótico tende a buscar pela ordem nas relações interpessoais com as quais interage, geralmente sem sucesso.
o hiper-mecanicista não-autista ou pré-autista ao autista tende a buscar pela ordem nas relações impessoais e/ou coisas e muitas vezes terá maior sucesso mediante a presença de leis da física relativamente simples, a priore.
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