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segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Sobre cultura, adestramento e filosofia

 Antes de seres humanos aplicarem técnicas de adestramento em animais de outras espécies, como os cachorros, eles já as aplicavam entre si. Essas técnicas só foram transferidas do lido humano para o animal. Por isso não é equivocado concluir que toda doutrinação ideológica, ou cultural, se consiste em uma espécie de "adestramento humano": o mesmo mecanismo de repetição associativa entre comandos específicos e gratificações. 


Existem duas maneiras de doutrinar: associando o comando a uma recompensa positiva ou a uma punição em caso de desobediência.

Um exemplo quase universal de doutrinação é a religião, em que são inculcados comandos ou dogmas*, afirmações fechadas para reflexão ou crítica, tal como a existência de deus e da vida eterna, a partir dessas duas formas de doutrinação: pelo medo da punição por desobediência ou negação da fé e por gratificação, pela sensação de bem estar emocional que a crença religiosa costuma causar à maioria das pessoas.

* Dogma não é apenas uma verdade incontestável, mas que é considerada como tal por um grupo, como uma afirmação de verdade não-verificada que não pode ser testada, pela crença de que seja absolutamente verdadeira. Verdades incontestáveis existem, quando são verificadas e confirmadas de maneira conclusiva, assim como afirmações que são consideradas como tal, mas que muito provavelmente não são.

Interessante que o mecanismo de doutrinação é similar ao do aprendizado genuíno, de aquisição de conhecimentos, porque também acontece por repetição ou memorização e ainda costuma vir acompanhado por uma sensação de bem estar, espacialmente quando existe facilidade cognitiva para aprender e o conhecimento faz parte do grupo de interesses especiais do indivíduo, o que pode explicar por que a maioria dos seres humanos parece ser tão facilmente doutrinável, afinal, pode ser que seja muito comum a confusão entre crenças ou comandos internalizados e conhecimentos legítimos.

Já a filosofia, em sua prática literal, é basicamente um processo de (auto)reflexão sobre esses comandos ideológicos ou culturais. É tal como se um cachorro adestrado parasse de responder aos comandos pelos quais foi ensinado a obedecer e reconhecesse seu adestramento pelo que é. Também equivale ao exemplo de um ser humano que foi doutrinado a acreditar em deus ou, (auto)adestrado a internalizar essa crença como uma verdade absoluta, mas que, então, passa a questioná-la.

Por fim, existem seres humanos que são menos suscetíveis à doutrinação ideológica (ou adestramento), que são os mais instintivos, geralmente os tipos mais anti sociais. E os que são capazes de desprogramar comandos internalizados e atualizar suas crenças, inclusive a qualidade das mesmas, que são os mais intelectualmente reflexivos, mais aptos à prática filosófica. 

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