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segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Parábola filosófica do Show de Truman: os jogadores ou atores e os mais despertos

 Alienação versus filosofia


Show de Truman é um filme estadunidense de ficção dos anos 90 que se baseia em um "reality show" de sucesso global cujo seu maior protagonista, Truman Burbank (Jim Carrey), está totalmente inconsciente disso, pois nasceu e viveu toda sua vida na cidade fictícia de New Heaven, junto com um elenco de atores, incluindo seus próprios pais, esposa e amigos. Então, ao longo do tempo, Truman, já adulto, casado e socialmente ajustado, vai despertando para a realidade, percebendo que algo muito estranho acontece, especialmente pela ocorrência de supostas coincidências, desde a percepção de padrões bizarros de sincronização do trânsito até às suas tentativas de sair de New Heaven, sempre frustradas com incidentes aparecendo "do nada" (criados pelo programa para impedí-lo). Vai percebendo que o mundo em que vive é baseado em mentiras, seu casamento, a cidade onde vive desde que nasceu... 

Não é à toa que ele se chama Truman, uma diminuição de "true man" ou homem verdadeiro, se ele é o único do "reality show" que não é um ator fazendo um personagem, que é uma pessoa de verdade. 

Pois Show de Truman não é apenas um filme de crítica aos "reality shows" que, aliás, se tornaram febre a partir dos anos 2000, porque também pode ser usado como parábola filosófica ao que acontece na vida real e, diga-se, de maneira muito profunda: a própria cultura humana e, claro, incluindo a ideologia que lhe é praticamente um sinônimo. 

Mas como?? 

Bem, toda cultura, até por nunca ter existido uma cultura essencialmente baseada em conhecimentos, evidências concretas ou pensamento lógico-racional, mais se assemelha a esse reality show, à cidade fictícia de New Heaven e seu elenco de atores. Aliás, poderia ser considerada o "reality show" original, por se constituir como um perímetro delimitado de valores e crenças em que todos os que vivem dentro dele são doutrinados, desde a infância, tal como o Truman, a se comportar de acordo com esses valores e crenças, proibidos de questioná-los, tratando-os como a única realidade possível, e sendo vigiados por aqueles que os dominam. Então, inconscientemente, aderem aos papéis que lhes são impostos e, ao invés de viverem de acordo com suas próprias essências ou, pela essência de tudo, que é a verdade, vivem como atores de uma peça de teatro ou como peças de um jogo, como jogadores, adotando suas identidades forjadas com naturalidade, sem saberem, acreditando que não existe outra realidade. Só que não são todos que passam uma vida conformados ao que lhes é determinado como incontestável, porque existe uma minoria que, se por ter uma natureza mais contestadora e/ou por exclusão social, desperta aos poucos ou abruptamente, parcial ou significativamente, tal como Truman Burbank, às inconsistências da realidade (a sincronização de comportamentos ou comportamento de manada, por exemplo), da cultura ou ideologias às quais está submetida, saindo do seu mundo fictício de mitos e entrando no mundo da "hiperrealidade", meu conceito de "mundo real", de fatos ou verdades de todos os tipos e perspectivas. 

São poucos que se tornam "Truman" ou "essencialmente verdadeiros" (essencialistas), não apenas em termos de autenticidade de identidade mas também como buscadores e defensores absolutos da verdade objetiva e imparcial. São poucos os que percebem que culturas humanas e suas ideologias não passam de "reality shows", de imitações imperfeitas da realidade e que o mundo real "está lá fora". 

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