Uma das características que parecem ser mais exclusivas do ser humano é a de sua capacidade de olhar para o mundo SEM ter desejos instintivos pré-determinados. Poderíamos até mesmo dizer, ousadamente, que somos os organismos MENOS instintivos, ao menos de ''nosso'' planeta. Graças a essa capacidade de ver ''além do próprio umbigo'' ou ''necessidades instintivas de sobrevivência'' que podemos de fato reconhecer o ambiente, além de nossas zonas evolutivas de ''conforto'. E com essa capacidade, invariavelmente distribuída, de se poder olhar além de nós mesmos, ou seria melhor, de nossos ''eu-evolutivos'', foi possível, além de reconhecermos ''o todo'' de um determinado ambiente, de maneira mais intuitiva, não-verbal, holística e menos instintivamente particularista, a priore, também de vermos aquilo que, instintivamente falando, não nos interessa, tendo como resultado a filosofia, a ciência, e até mesmo a religião, e claro, graças ao grande suporte de nossas tecnologias símbolo-associativas, isto é, linguagem, vocabulário e sistemas numéricos.
Poderíamos pensar que, quanto mais distantes de nós mesmos, ainda que fortemente auto-conscientes, e portanto, mais extrospectivos, melhores serão as nossas capacidades de compreender parte da realidade que estamos vivenciando. Eu já comentei que um excesso de extrospecção, isto é, sem qualquer autoconsciência, resultará em uma espécie de loucura auto-inconsciente, enquanto que um excesso de introspecção, surpreendentemente ou nem tanto, nos fará mais atomizados em nós mesmos. Também disse, eu acho, que a ciência ou o pensamento científico/impessoalmente analítico, tem como tática o ''desligamento'' temporário de nossa auto-referência perceptiva/introspecção, tendo como resultado na dedicação crítico-analítica de elementos que são impessoais a nós.
Um constante aumento na extrospecção pode ou tende a resultar, caracteristicamente falando, no desenvolvimento das sociedades ou comunidades, pois com isso haverá um aumento de invenções e descobertas de natureza ''impessoal'', por exemplo, na construção de casas, de veículos, de métodos de agricultura, mesmo naquelas que requerem maior auto-referência, como a medicina, ainda assim necessitarão deste debruçamento naquilo que não nos é intuitivamente utilitário ou de imediato à própria sobrevivência. No entanto um excesso em extrospecção pode resultar na progressiva perda da auto-referência e portanto do próprio ímpeto de sobrevivência.
Na psicologia diz-se, já com algumas boas evidências, que autismo e esquizofrenia se consistam em opostos. Em partes, pelo que tenho lido, existem de fato muitos traços que comprovam esses contrastes salientes entre as duas condições psicológicas. Um desses contrastes, que eu comentei brevemente em um texto anterior, em que fiz uma auto-análise justamente sobre os dois espectros, autista e psicótico, seria justamente sobre esta variação na auto-referência em que no caso da esquizofrenia, haveria um excesso da mesma, resultando em uma constância paranoica, e que no caso do autismo, haveria uma falta, resultando em uma hipo-paranoia ou atomização literal, porque além da auto-centralização também haveria uma hipo-extrospecção, em termos pessoais. O esquizofrênico médio, especialmente o mais paranoico, está sempre inferindo especulativamente sobre as intenções e ideações alheias, porque ele tende a acreditar que o mundo gira em torno de si mesmo e que portanto todo mundo está para mais ou para menos pensando nele, bem ou mal. Em compensação o autista médio seria o inverso, ainda que no final pudesse desenvolver algum estado mais vigilante sobre os outros, o autista tende a desprezar sumariamente o que os outros estão pensando sobre ele, enquanto que tende a se tornar super interessado em aspectos impessoais da realidade. Para a ciência, o estilo de pensamento autista parece ser mais importante justamente porque o mesmo tende a induzir ao mesmo tempo à atomização em relação às coisas pessoais e ao interesse extrospectivo pelas coisas impessoais. A esquizofrenia por outro lado tende a ter o efeito oposto, em que tanto a extrospecção quanto a introspecção se farão muito intensas e todas de natureza pessoal, isto é, exageradamente interessados em si mesmos e naquilo que os outros estão pensando sobre eles, e bem menos em relação às ''coisas impessoais''. Os autistas tendem a ser mais interessados em si mesmos em termos pessoais, creio eu, mas menos interessados naquilo que os outros pensam sobre eles, isto é, hipo-extrospecção pessoal ou inter-pessoal. Em ambos os casos os efeitos de uma teoria da mente hipo ou hiper-ativada tendem a ser os mesmos: incompreensão e atritos inter-pessoais. Por outro lado, este excesso de introspecção e extrospecção pessoais do espectro psicótico pode ser interessante para a religião especialmente quando temos o senhor criador do Universo como papai, ;) A maior extrospecção impessoal e menor extrospecção [inter]-pessoal também tende a ser crítica para a descrença religiosa.
E o gênio, e o sábio, onde ficariam os dois*
O sábio tem como epicentro a sua introspecção, o seu autoconhecimento, assim como também a sua extrospecção inter-pessoal geralmente bem desenvolvida ou aguçada, e isso nos ajuda a entender porque ele não tende a ser um natural cientista, que ou aquele que encontra-se debruçado no estudo de coisas impessoais (mecanicistas). Apesar disso, muitos gênios encontrar-se-ão mais próximos do epicentro da sabedoria por se consistirem em uma classe muito variada, tão variada quanto as habilidades humanas. O gênio, ainda que também possa se assemelhar em demasia ao sábio, tenderá no entanto a exibir grande extrospecção impessoal, especialmente se for do tipo mais científico, enquanto que quase todo gênio precisa ter uma introspecção que seja ao menos superior à média, ao ponto de poder neutralizar em algum aspecto importante a interferência de seu ego sobre a sua área de interesse, e para que o seu ego, geralmente muito grande, não coloque tudo a perder, ele caminhará para precisar de uma grande capacidade para controlá-lo, diga-se...
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