Blefe e equívocos do relativismo moral
Alguns (ou muitos dos) autodeclarados racionais, gostam de dizer que a justiça social é utópica no sentido de impraticável e irrealista, por não ser baseada em fatos e sim em sentimentos. No entanto, primeiro, é preciso diferenciar uma análise descritiva de fatos, neste caso, históricos, de uma análise moral comparativa dos mesmos. Segundo, também é preciso compreender que, nenhuma análise factual é completa sem que tenha a presença dos nossos sentimentos, pois são estes que usamos para avaliar os elementos e as intempéries da realidade. A análise factual, geralmente acontece de modo distanciado aos elementos que estão sendo observados. Pois é sempre importante nos colocarmos, nos contextualizarmos próximos às circunstâncias, situações ou acontecimentos para que também possamos julgá-los, em primeira pessoa, com base em uma simulação realista, que é como se expressa uma análise moral. Não basta apenas compilar fatos, como as ações humanas, mas também julgá-los, por suas qualidades ou, um termo-chave neste pequeno texto, por seus níveis de Imprescindibilidade. Observamos e analisamos certa realidade, buscando entendê-la, e então, julgamos ou reagimos à ela [interagindo em primeira pessoa]. Por exemplo, com os meus sentidos, eu consigo detectar a existência de uma rosa em um jardim. Então, eu reajo estética ou emocionalmente à ela. Da primeira reação, eu posso estender o meu raciocínio e ponderar a melhor atitude a ter sobre ela. Se eu a deixo ali mesmo, se chego perto e busco extrair um pouco do seu sabor pelo cheiro, se a levo pra casa, se piso em cima dela, do porquê de fazê-lo, se é imprescindível ou inevitável, ou facultativo...
É imprescindível ou inevitável levar esta rosa pra minha casa?
É imprescindível ou inevitável pisar nela?
É imprescindível, inevitável ou facultativo chegar perto para cheirá-la?
Se não há nada de detectavelmente imediato ameaçando a bela existência desta rosa [ou a minha em relação à ela], então a melhor resposta de ação das três possibilidades acima é a de, ao menos, chegar perto para ver se tem um aroma gostoso.
Agora, um exemplo histórico: a escravidão africana nas Américas. A priori, é possível compilar uma boa quantidade de detalhes de como aconteceu, por que, onde, quando, para quem.. A partir daí, é inevitável a julgarmos moralmente. Primeiro, analisamos distanciados. Depois, nos colocamos nos lugares dos envolvidos neste longo e miserável evento da história humana para ponderarmos ações, necessidades ou possibilidades, e primeiramente fazemos as questões mais importantes: "a escravidão foi realmente imprescindível ou inescapável?? Não existia outra alternativa??". A resposta, sabemos.
Relativistas morais, supostamente, param na análise técnica ou factual e banalizam a ação moral criando esta falsa dicotomia absoluta entre fatos e sentimentos.. diga-se, sentimentos de sensibilidade altruísta. Não fazem isso por serem mais sábios ou detentores racionais da verdade, mas porque apenas projetam suas personalidades ou estratégias reativas/adaptativas [egoístas], tratando-as como se fossem reflexos perfeitos da realidade, especialmente em relação à sua perspectiva existencial ou moral.
''O que eu sinto é a verdade e/ou o mais certo... mesmo sem eu ter raciocinado mais profundamente sobre isso''
E, na verdade, eles também reagem sentimentalmente aos fatos, como é esperado do comportamento básico do ser humano. Só que, como só pensam ou se preocupam consigo mesmos, então, acabam por analisar essas situações que exigem empatia afetiva, de maneira pobre e tendenciosa. Daqui a pouco em sua leitura, mostrarei que suas análises morais se consistem em um blefe.
Altruístas irreflexivos ou irracionais, também costumam agir de maneira instintiva, pela projeção de suas personalidades e, portanto, crenças e opiniões pessoais, tratando-as como se fossem verdades absolutas, não apenas subjetivas, e, resultando na idealização ideológica, quando criam concepções distorcidas da realidade, sem antes tê-la analisado quanto aos seus fatos mais elementares e perspectivas, isto é, tentando encaixar o modelo ideologicamente idealizado [aquilo que gostariam que fosse], como vínculo enraizado de suas personalidades a um sistema ideológico, em cima das dimensões da realidade enfatizada.. O principal critério da moralidade é a imprescindibilidade, se certa ação ao outro, bem como também a si mesmo, é absolutamente necessária ou se existem outras possibilidades, melhores. Aliás, tudo sobre moralidade é sobre o melhor possível em termos de sobrevivência, isto é, de preservação da vida, e das vidas, com a expansão da consciência ou compreensão existencial do mundo.
Percebam, novamente que, o que denominamos de certo e errado, na verdade, pela moralidade humana [de autoconsciência, ou compreensão expandida], se consiste no grau de imprescindibilidade de ações e condutas a partir de um rol de possibilidades.
A crueldade é imprescindível para que possamos sobreviver ou para viver a vida como se deve??
Pela racionalidade, sabemos que não, porque por ela podemos ponderar o máximo de possibilidades cabíveis a partir da análise factual e moral, e então escolher pela melhor para cada situação.
Pela falácia animalista, de se acreditar que o ser humano deva ser inteiramente anexado às outras espécies não-humanas em termos de comportamento, conclui-se que a escravidão, por exemplo, não é nem moralmente correta ou errada, caindo no julgo do relativismo.
Mas, se inflige dor ou prazer, então não é moralmente "relativa".
Além do mais, sugerir que nossos níveis de discernimento moral [potencial] sejam iguais aos dos outros seres vivos é o mesmo que dizer que nossas habilidades aquáticas também são iguais às dos peixes.
O blefe do relativista moral
O relativista moral é um mentiroso crônico, especialmente quando é questionado se gostaria de sentir dor ou sofrimento ou de ser injustiçado por outras pessoas [ou seres vivos]. Quando é perguntado sobre o que prefere que os outros façam para ou com ele, em termos morais, o seu relativismo desaparece sem deixar rastro. Seu sadismo natural não se expande para um sadomasoquismo. A explicação para o porquê de se agir parasítica ou predatoriamente, está contida no próprio ato, que, no reino animal não-humano, é ''apenas' um tipo de adaptação e que se refere à probabilidade de comportamentos. Mas, eles não têm escolha, pois são produtos replicantes e estereotípicos dos eventos seletivos que os forjaram. Supostamente, os humanos com essa ênfase intrínseca de comportamentos também não têm controle [OU] discernimento das consequências de seus atos. A diferença é o uso da linguagem para manipular /neutralizar o verdadeiro significado de suas intenções. Portanto, humanos cruéis e egoístas relativizam a moralidade tratando-a como equivocada ou ilusória apenas quando se referem aos outros, porque quando é sobre si mesmos, jamais aceitam que sofram as mesmas ações insensíveis que praticam, e isso é um blefe ou mentira, e não uma iluminação filosófica por uma perspectiva mais sombria [''e racional''].
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