O capitalismo é exatamente como ter que pagar o pedágio a empresas privadas para que mantenham as rodovias e, também, para poder dirigir nelas, por ser o dinheiro, seu símbolo máximo, um intermediário "obrigatório" entre o desejo ou objetivo e a sua realização, e que está sob monopólio de certos grupos. Apenas pense que o capitalismo é a diferença entre um serviço ser prestado por solidariedade, cooperação e/ou vocação e de ser por interesse financeiro. Entre construir e manter estradas visando o bem comum e de fazê-lo pensando especialmente no próprio bem ou retorno.
O dinheiro representa o valor ou a recompensa pelo trabalho executado. No entanto, sabemos que existem muitas profissões em que o salário não faz jus à sua relevância, e outras em que o oposto acontece. Ou seja, não bastasse o dinheiro substituir uma forma de recompensa que poderia ser mais direta ou honesta, ainda por cima não é meritocraticamente repartido, afinal, se fôssemos colocar na ponta do lápis, concluiríamos que, por exemplo, o trabalho prestado por uma empregada doméstica vale mais do que o seu valor atual, enquanto que a profissão de juiz vale bem menos do que tem sido determinado. Não estou necessariamente defendendo que juízes e empregadas devessem receber os mesmos salários ou que as empregadas devessem receber mais, mas que, pelo menos, as suas diferenças não fossem tão gritantes e injustas...
Mas, pra quê o dinheiro??
Muitos pensam que é necessário por ser um meio eficiente de agilizar trocas comerciais e recompensar, em larga escala, as pessoas pelos seus trabalhos ou contribuições. No entanto, é ingenuidade pensar que o dinheiro foi criado apenas para facilitar as nossas vidas, porque, na verdade, tem sido especialmente para quem o controla. A priori, o maior problema nem seria a sua existência, mas a partir do momento em que é usado como principal critério de poder político, cultural e econômico na sociedade, ao invés do mais ideal, que esse critério fosse as qualidades intrínsecas e logicamente relacionadas com a capacidade de governar com responsabilidade. E só para piorar, aqueles que nos governam e que controlam e organizam as atividades econômicas não são os indivíduos mais capacitados para exercer essas funções tão importantes, pois, graças ao capitalismo, tem-se perpetuado essa ignóbil tradição, herdeira de outros sistemas opressores, como o feudalismo, de deixar sociedades nas mãos dos mais gananciosos e inescrupulosos. Enfim, uma legítima idiocracia sustentada por uma massiva propaganda que visa justamente nos passar a ideia mentirosa de vivermos em sociedades próximas ao ideal de meritocracia (ou da intelectocracia).
Portanto, uma sociedade sem dinheiro até poderia ser possível de existir, mas, primeiro, se a sua "elite", que são aqueles que a organizam e controlam, fosse composta exclusivamente pelos mais sábios, por serem os menos materialistas. Segundo e obviamente, se não existisse nenhum outro intermediador entre desejo e recompensa, além do próprio trabalho, e que fosse suficiente para a aquisição de bens materiais e imateriais, especialmente os mais básicos, que se desejasse e necessitasse. Terceiro, que a recompensa, além da aquisição direta de desejos e necessidades, diga-se, moralmente respeitosos, também fosse a própria satisfação de ajudar ou cooperar na sociedade em que se vive.
Um exemplo provável de mudança ideológica em uma sociedade intelectocrática ou ideal: minimalismo consciente ao invés do consumismo exagerado
Em uma sociedade regida apenas pelos mais sábios, e não pelos mais ricos ou socialmente influentes, o cenário atual de consumismo desenfreado, propositalmente atiçado por empresários e industriais, com o nobre intuito de aumentar os seus lucros, seria substituído pelo minimalismo consciente, em que as pessoas aprenderiam a consumir com parcimônia, dando preferência pelo que é mais essencial, inclusive ajudando a estabelecer e a manter uma relação sustentável com o meio ambiente.
Confrontação de um cenário real de sociedade capitalista com um cenário hipotético de uma sociedade (implicitamente intelectocrática e) sem o monopólio do dinheiro
Imagine que Seu Joaquim tem uma padaria e, para mantê-la, ele precisa de dinheiro que pague os seus funcionários, que compre mercadorias, que pague a manutenção do estabelecimento e as suas contas a partir dos lucros que obtém. Tudo gira em torno do dinheiro. Sem ele, Joaquim não seria ninguém, pois sua vida, assim como as nossas, vale menos que cédulas de papel.
Agora, vamos imaginar que Seu Joaquim não vive em uma sociedade capitalista e sim em uma intelectocracia onde o dinheiro foi "aposentado" de circulação, sendo substituído pela ajuda ou cooperação direta.
Então, sua vida passa a se organizar da seguinte maneira:
Ele tem uma padaria, que construiu e estabeleceu, graças à ajuda de parentes, amigos e vizinhos (a partir de troca de favores e, também, de bens pessoais). O pagamento dos seus funcionários se dá a partir do acesso a uma quantidade calculada porém farta dos produtos da padaria, que recebe de empresas, cooperativas e indústrias, que existem unicamente para servir e cooperar, e não para o acúmulo individual e desigual de lucros aos seus "donos". Se ele e os empregados quiserem adquirir outros bens, eles podem ir nas lojas especializadas. Já os seus clientes também têm acesso limitado, com valores relativamente fixos para a aquisição, aos produtos do seu estabelecimento. Afinal, sua padaria tem como função, alimentar, especialmente a população local, e não para enriquecê-lo, se ele não precisa disso para sobreviver. Também vale o velho e bom escambo, que podem resultar em vantagens extras na hora da aquisição dos bens que ele oferece. Depois de muitos anos mantendo sua padaria com a mesma aparência, ele resolve fazer uma reforma, visando ampliar suas dimensões. Para isso, contrata conhecidos e não-conhecidos para ajudá-lo: pedreiros, engenheiro... Lhes paga com acesso mais amplo aos seus produtos (claro, com tempo limitado desse acesso mais farto, de acordo com o período em que trabalharão lá). As diferenças de padrão de vida entre os indivíduos que exercem ofícios de categorias distintas são muito menores do que as que existem nas sociedades capitalistas. Porque todos têm direito a, no mínimo, uma casa ou um apartamento bonito e confortável, a um emprego estável, inclusive com a possibilidade de mudar de profissão, e acesso garantido a bens materiais e imateriais. Pessoas diferentes podem e costumam ter gostos diferentes. O engenheiro que está como chefe da obra do Seu Joaquim, por exemplo, é músico amador. Ele tem conseguido adquirir (verbo substituto de comprar) instrumentos musicais, vinis antigos... já os três pedreiros contratados não compartilham com o mesmo passatempo.
Tudo nessa sociedade gira em torno da cooperação e da verdade nas relações e não do lucro ou do prestígio social frívolo, ainda que, pessoas com realizações excepcionais, continuem a ser admiradas. De qualquer maneira, todos são admirados, respeitados e recompensados de maneira justa. Todos buscam trabalhar, se não no que mais gostam, pelo menos no que demonstram maior aptidão.
Mas, infelizmente, eu tenho sérias dúvidas de que uma intelectocracia, e sem o dinheiro como principal moeda de troca, como a do exemplo hipotético, funcionaria, ainda mais com essa humanidade que temos por agora, muito irracional. Eu sei que seria muito improvável que esse modelo funcionasse com a existência de sociopatas e psicopatas, livres, leves e soltos e, os mais espertos, empoderados, se é justamente o controle social e econômico por esses sujeitos que têm resultado nas idiocracias em que estamos. Por isso, penso que, o dinheiro, novamente, não é o principal vilão, e sim quem o controla, que ele poderia ser mantido em uma sociedade ideal ou intelectocrática, mantendo apenas a sua função mais básica, que não é de gerar desigualdades exorbitantes e enriquecer uma minoria de abutres.
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