Em um banquinho de praça parisiense, toma-se café e come-se um bolo gostoso, à moda da casa, enquanto lê-se o jornal mais popular da cidade que tem como notícia de capa um futuro maravilhosamente diverso e enriquecido, onde a comunhão da ''raça humana'' se tornará a mais pura das realidades. O futuro está logo ali, basta dobrar a esquina, à esquerda da Torre Eiffel, ao lado do rio Sena, e brindar-se com uma felicidade desmedida, sem fronteiras, sem regras, sem prisões, de completa liberdade e fraternidade. Alguns seres nasceram com óculos de sol coloridos e relativamente vulgares para certa idade. Sempre estão a ver o lado bom e são intermitentes quando precisam espetar suas mãos com espinhos e ver o próprio sangue descendo rasteiro em seus galhos azuis na direção do cotovelo. O mundo ao redor é de um céu cinza, mal humorado e borbulhando confusão, mas a claridade do branco refletida no ouro que enfeita certas estátuas neoclássicas pode ser confundida com o brilho do sol. O porvir é simples, eles pensam e seria, se não existisse a natureza humana. E não apenas existe, pois é triunfante, numa invencibilidade de deixar qualquer oponente exausto de tantas surras. Por enquanto o mundo sorri falso para esses seres. Mas coisas muito ruins podem acontecer. Sua sincera estupidez pode dar de frente com a sagacidade de quem não tem reais fronteiras ou respeito alheio.
Eu
não vejo, eu prevejo e vivo na ansiedade de ver futuros tenebrosos
sendo solucionados antes de se tornarem presentes, de grego, diga-se. Eu
tenho a sorte de ter nascido assim e de ter um talento natural para
tolerar a realidade, mais que isso, pois caio de amores por ela. Lhe
tenho apego tal como uma criança medrosa por sua mãe de aço. Nunca fiz
nada de mais para atuar desta maneira. Não estudei da maneira com que
muitos destes mansos ''de Deus'' pensam que se deva fazer, não digeri
livros e suas folhas grossas e encardidas, não fiz mais do que viver o
que sou e ao longo do tempo, meu dispor para o narcisismo reflexivo
tornou-se mais importante, intenso. Algo que já tinha latente, foi sendo
lapidado até tornar-se um belo vaso de cerâmica, de pedra bruta que tem
beleza mas não tem consistência, possuí as duas em um gostoso sexo a dois, e
as uni, fazendo-me o que eu sou hoje.
Minha
hipotética viagem à cidade luz, mal cegaria minhas vistas, porque
carrego meu saco de certezas pequenas, como um circo de pulgas, cabem
todas na palma da minha mão. Também vislumbro o que está por vir, mas
sem o devaneio de imaginar um mundo diferente daquele que o é hoje, se o
presente se torna passado e se o futuro se fará pelo que
acontece agora, num contínuo de similaridades vulgares e caprichosas,
porém elementares em suas consistências e constantes em suas elementaridades. Temos o nano-tempo, o que há
pouquíssimos segundos era o presente, tornou-se passado e o futuro, em
breve, não será mais o esperado. E deste espectro essencial, ainda temos
um futuro mais distante, que não é o próximo passo, mas uma caminhada,
muitos passos até alcançá-lo.
A reportagem que
felicita pelo que nos espera, não será minha narrativa desperta. A vejo
como mau presságio, daquilo que não dizem em linhas certas, mas
implícitas. A verdade escondida, em tempos, tanto tempo, de confusões
das mais estúpidas. Eu tenho um mapa sobre a verdade, incompleto porém
preciso, como um bom sábio deve ter ou fazer ao longo de sua evolução
pessoal. Eu sei como andar neste campo, eu sei que animais perigosos,
cobras peçonhentas ou ursos à espera de abraços mortais, não são nada
mais do que bestas, mas também sei que nem todos os ''animais'' são
assim e que mesmo o mais venenoso dos venenos, não escolheu ser assim.
Tenho
a sorte de saber, sem muitos dígitos a contar para o meu intelecto, sem
muitos talentos que possam afagar o meu ego, meu narciso que vê defeitos e
não apenas atrativos, a sorte de poder reagir se puder, de tentar ao
menos. De tolerar o que é certo e de regurgitar morcegos a tudo aquilo que é errado.
Minha sorte não está naquilo que tenho ganhado com ela, não é para alimentar vícios mundanos, mas o único que realmente importar, a vida.
Minha sorte não está naquilo que tenho ganhado com ela, não é para alimentar vícios mundanos, mas o único que realmente importar, a vida.
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