O terraplanismo virou sinônimo informal para pseudociências em redes sociais nos últimos anos.Também pudera, por ser uma das pseudociências mais óbvias, uma falsificação absurda de fatos científicos atualmente muito básicos, como o formato do planeta Terra, se tornou alvo fácil para o deboche, especialmente entre os que se pensam como mais entendidos em ciências. Por isso que eu também resolvi adotá-lo para me referir a uma série de pseudo conhecimentos, mas sobre o comportamento humano, que têm se tornado hegemônicos no governo, na mídia e na academia, e que, por ironia do destino, tendem a ser erroneamente ratificados como conhecimentos legítimos por muitos dos que adoram caçoar dos terraplanistas originais... Também me acostumei a chamar esses terraplanismos de "pseudociências do bem" (ideologicamente enviesadas à "esquerda" no espectro político-ideológico). Então, sem mais demora, vamos a eles:
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sábado, 24 de maio de 2025
Sobre o terraplanismo do comportamento
1. De que o comportamento humano é produto apenas das circunstâncias do meio ou de que somos meros reagentes, com pouca vontade própria
Uma espécie de "circunstancialismo" negacionista porque despreza a importância da biologia ou natureza do indivíduo humano em relação ao seu próprio comportamento, que tem como provável inspiração, a crença na tábula rasa, de que nascemos tal como folhas de papel em branco e que nossas características mentais são moldadas apenas pelas experiências de vida. Como se os nossos traços mentais também não fossem,em média, herdados dos nossos progenitores, tal como acontece com os traços "físicos". Aliás, os nossos comportamentos psicológicos e cognitivos são expressões predominantemente estáveis da morfologia e constituição dos nossos cérebros, bem como de outros aspectos orgânicos mais intimamente relacionados, como os hormônios, em interação com o meio. Também são "físicos". E isso nos leva ao segundo terraplanismo do comportamento...
2. De que o comportamento humano é exclusivamente mental, no sentido suposto de ser metafísico ou alheio a "padrões físicos"
Como se a mente e, apenas ou especialmente a mente humana, apresentasse uma natureza radicalmente diferente do resto do corpo, como se também não fosse física e química, mas uma espécie de abstração que transcende tais "limitações"... Eu já denominei esse tipo de pensamento, que pode ser considerado um pensamento falacioso, de semanticalismo, em que se apregoa uma significância exagerada à palavra em relação ao elemento ou fenômeno que simboliza, ainda mais quando se trata de um termo mais imaginário do que real ou que não apresenta uma evidência confirmada. Quanto a esse tipo de terraplanismo que nega a natureza físico-química da mente, eu poderia chamá-lo de "mentalismo", uma ênfase absolutamente excessiva na "mente" a ponto de tratá-la como uma realidade por si mesma e não como o mais provável de ser: uma expressão derivada.
Sim, sim, "fisicalismo", de longe, a hipótese mais sensata sobre o que seria a mente humana, basicamente o que foi dito nesse ponto, e que é a mais aceita pela ciência. Mais uma discussão inútil levantada e sustentada pela filosofia, ou por essa "filosofia" sem filtro de qualidade, em que teorias divorciadas de uma colaboração mínima e necessária com o pensamento científico continuam a ser consideradas no campo das discussões intelectualmente pertinentes, mesmo se não apresentam qualquer evidência (ou pista indireta) de que sejam factíveis.
3. De que o comportamento humano é invariavelmente lógico
Uma espécie de ênfase excessiva no caráter lógico do comportamento humano, mais no sentido de ação e reação recíprocas, tal como pelo exemplo de que, se um indivíduo tiver uma criação desprovida de carinho e compreensão durante seus anos formativos, ele inevitavelmente se tornará um adulto de caráter dúbio. No entanto, a personalidade é um fator muito relevante nessa dinâmica, que torna essa ideia de reação diretamente recíproca ou "lógica", menos evidente. E como os traços de personalidade, além de serem padrões reativos, também tendem a ser mais estáveis ou variavelmente independentes do que acontece ao redor do indivíduo humano... Outro exemplo é a ideia de que as condições do meio unilateralmente propiciam a certos comportamentos, tal como no caso de se estar em uma situação de pobreza e cometer crimes, até como uma justificativa para o cometimento de ações do tipo, e que ainda costuma vir com a solução genérica do combate às desigualdades sociais, como se apenas o meio que fosse causal em relação a esse ou àquele comportamento e como se toda ação humana fosse reciprocamente lógica, aqui, em que a pobreza ou negligência social justificaria a prática de crimes. E mesmo que sempre exista uma interação óbvia e constante entre meio e ser humano, o que determina nossos comportamentos, no sentido de "dar a resposta final", somos "nós mesmos" ou o que apresentamos de personalidade, inteligência... de como temos reagido, interpretado e concluído de nossas experiências. Novamente, um apelo à minha defesa "heterodoxa" de validação do determinismo biológico como uma verdade absoluta, bem diferente do que, especialmente, os tais terraplanistas do comportamento, tendem a se posicionar...
Pois um dos equívocos técnicos mais básicos que têm sido cometidos à exaustão na área da psicologia, e que contribuem para o surgimento desses terraplanismos, é o de confusão entre correlação e causalidade, por exemplo, da correlação positiva entre tipo de criação recebido e capacidade de discernimento moral, em que muitos pesquisadores acadêmicos têm chegado à conclusão de que o tipo de criação é um fator causal ao desenvolvimento do caráter de um indivíduo humano, ao invés de pensar na possibilidade menos generalista e, portanto, menos extraordinária, de que pais tendem a gerar filhos que herdam deles traços de personalidade parecidos, ocorrendo essa concordância estatística mais robusta, primariamente se baseando em um dos fatos mais básicos da biologia, não apenas da humana, a hereditariedade, e não apenas dos "traços físicos", já que o tipo de criação também reflete traços de personalidade de um indivíduo, nesse caso, os pais, em interação com o seu meio familiar. Então, em palavras mais fáceis, temos: pais mais intrinsecamente amorosos mais propensos a ter filhos mais amorosos ou empáticos (ainda que essa regra não pareça ser significativa, até pela natureza relativamente aleatória dos padrões de hereditariedade de traços entre seres humanos. De qualquer maneira, essa tendência de concordância de traços de personalidade e inteligência entre pais e seus filhos biológicos é maior do que a de discordância, por isso, de haver uma correlação mais positiva do que negativa).
4. De que o comportamento humano é produto exclusivo da criação ou educação
Uma espécie de "criacionismo comportamental" em que se credita tudo do comportamento humano à criação que se recebe durante os anos formativos, novamente, negando o fato de que já praticamente nascemos com predisposições psicológicas e cognitivas (que também podem ser denominadas de padrões) que herdamos dos nossos progenitores (mais em um sentido combinatório do que diretamente transmitido) e que, inclusive, começamos a expressá-las desde os primeiros anos de vida. Um exemplo de hipótese que foi levantada com base nessa pseudociência é a da "mãe refrigeradora", para explicar o autismo.
4.1 De que o comportamento humano é produto exclusivo da cultura
Uma variação negacionista da influência da biologia no comportamento humano do que já foi mostrado acima, só que focando na crença de que é a cultura, o fator mais importante de influência. Mas a cultura, em média, reflete características psicológicas e cognitivas da população que a expressa, inclusive a tendência comum de conformidade social, se tratando de uma espécie altamente social, como a nossa. A cultura não veio primeiro ou do nada. E mesmo no caso de ditaduras absolutas, tal como o da Coreia do Norte, em que se percebe uma imposição mais direta de uma cultura sobre uma população, a segunda sempre acaba se adaptando, também por conformidade, ainda que, nesse exemplo, trata-se de uma cultura mais tradicional que mudou pouco de antes da revolução socialista, cujas mudanças mais notórias foram a introdução de um culto de personalidade dos líderes e o aumento significativo da restrição de liberdades individuais e/ou democráticas. Mas mesmo no caso de mudanças culturais (de comportamento ou costumes) ou intergeracionais mais significativas, como as que têm acontecido no mundo ocidental, primeiro que, não poderiam acontecer sem que houvesse uma possibilidade biológica para isso, com base naquela lógica muito básica de que, não é possível um indivíduo se tornar algo que não está disponível como uma possibilidade em seu rol de plasticidade comportamental, tal como no exemplo de um indivíduo com capacidades cognitivas modestas que, em um cenário normal de trajetória de vida, não pode se tornar superdotado (em um sentido mais academicamente tradicional) apenas por esforço ou dedicação nesse objetivo. Portanto, essas mudanças não podem estar ou não estão totalmente divorciadas da biologia. Segundo que, não são todos de uma geração que reagem parecido com o seu meio cultural, vide a existência de indivíduos explicitamente opostos às tendências de comportamento de sua geração. Terceiro que, também é importante notar a existência de uma parcela da população que adere apenas superficialmente à cultura vigente, por conformidade, mas mais no sentido de pressão social para, pelo menos, não se posicionar contrariamente aos postulados determinados como a ordem do dia, de se conformar pelo silêncio. Resumidamente falando, seres humanos diferentes tendem a reagir de maneiras diferentes às mesmas pressões do meio cultural. Sim, especialmente em comparação às outras espécies, somos muito generalistas. Mas isso não significa que nossa plasticidade comportamental seja indefinida ou infinita...
Então, essa crença de que somos mais generalistas do que realmente somos nos leva ao quinto terraplanismo...
5. De que o comportamento humano é muito plástico ou adaptativo, também no sentido de indefinido/sem limitações absolutas
Como se os nossos limites emocionais e cognitivos fossem sempre e apenas uma questão de bloqueio mental e que, com uma intervenção adequada, fosse possível superá-los. Por exemplo, a hipótese de que seria uma ansiedade específica que explica dificuldades para aprender matemática e não que possam ser reflexos de características do próprio perfil cognitivo do indivíduo, algo mais intrínseco, e que, portanto, não podem ser absolutamente alteradas.
Isso nos leva aos exemplos de terraplanismos do comportamento de algumas disciplinas específicas:
Da educação
Parte da crença de que todo estudante que não apresenta deficiências intelectuais evidentes apresenta um potencial parecido ou idêntico de desenvolvimento de suas capacidades cognitivas e que, o que mais os diferencia quanto ao desempenho acadêmico, é o esforço empregado nos estudos mais as condições do meio (o quão favoráveis ou desfavoráveis estão). Também é aplicado ao comportamento ou às diferenças de personalidade, em que são atribuídas aos mesmos fatores: culturais, de criação, ou do meio, e nunca à própria natureza (biologia ou "genética") do estudante.
Existem outras expressões de terraplanismos do comportamento na área da educação, mais especificamente em disciplinas como história e geografia, em que existe um domínio de narrativas do mesmo tipo, só que aplicadas em contextos sociais e históricos, tal como de que as principais ou únicas razões para as diferenças de desenvolvimento social e econômico entre as nações são as suas trajetórias históricas e culturais, desprezando completamente fatores biológicos, como a inteligência e o temperamento médios de suas populações.
Da psicologia
Pode ser considerado como o terraplanismo original do comportamento, por se relacionar com o conhecimento que lida diretamente com o comportamento humano. E como já foi comentado, se baseia em uma espécie de analfabetismo científico disfarçado de ciências humanas, por exemplo, por estar sempre propondo hipóteses que confundem correlação com causalidade em relação aos fatores que influenciam os nossos comportamentos, sempre apontando para os fatores ambientais ou do meio como os mais influentes, delegando à biologia um papel irrelevante.
Da biologia
Nesta disciplina, o negacionismo da influência predominante da própria biologia no comportamento humano, mostra-se mais sofisticado, justamente por se tratar da própria biologia, especialmente com a ascensão da epigenética, um ramo derivado da genética provavelmente válido em termos científicos, mas que tem sido usado para confrontar e invalidar a importância da própria genética no comportamento e no desenvolvimento humano e não para somar conhecimentos. Daí, como é o costume de uma típica pseudociência, pobre em multidisciplinaridade, atribui-se tudo de um fenômeno ou situação, no caso, o comportamento, a uma mesma causa, a "epigenética" ou "influências supostamente independentes, paralelas e/ou externas à variação e à determinação genética", enquanto que uma análise mais cientificamente adequada considera todos os fatores envolvidos e busca construir uma hierarquia dos fatores mais influentes aos menos influentes (que, nesse caso, seria a biologia como mais influente que o meio na determinação do comportamento humano, um fato ratificado pela percepção de padrões que corroboram positivamente para essa conclusão, tal como pelo fracasso predominante de intervenções pedagógicas na promoção de uma melhoria substancial do desempenho acadêmico dos estudantes).
Da criminologia
A mesma inversão de relação entre causa e efeito, só que dentro de um contexto judicial, em que o sujeito humano é colocado em uma posição mais secundária de importância em relação ao seu próprio comportamento e que, em uma situação de prática de crimes, predominam as crenças de que fatores do meio, e não a índole, que a explica (o primeiro terraplanismo), e também na completa regeneração moral de qualquer um que cometa crimes (o terceiro, o quarto e o quinto)...
Também existem algumas ideologias ideologicamente aparentadas e radicais, como o abolicionismo penal, que pregam pelo fim das penitenciárias, isto é, com base nesses terraplanismos, além de outras fontes filosófica e cientificamente duvidosas...
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