Inteligência e QI, domesticação e raciocínio
Quando nos deparamos com um texto excepcionalmente bem escrito, com palavras raras, que nem sabemos o que significam, geralmente temos a tendência de identificar o autor do texto como uma pessoa muito inteligente. É elementar, porque ter um vocabulário robusto e sofisticado sempre foi associado à inteligência. Nos testes cognitivos, ou de QI, esses aspectos verbais são os que mais se relacionam com o fator G, a tal partícula estatística que interliga os testes. No entanto, eu vou lhes mostrar que, talvez, o que parece um claro sinal de maior capacidade cognitiva, na verdade também pode estar mais relacionado com a domesticação.
Primeiro, precisamos falar um pouco sobre a linguagem. Vocês sabiam que a linguagem é uma convenção? O que é determinado como o certo e o errado de ser escrito, ortográfica e gramaticalmente, não é baseado totalmente na lógica. Por exemplo, a maneira como falamos tende a se dissociar da maneira como escrevemos, dependendo do sotaque. E isso NÃO É LÓGICO, porque criam-se regras gerais que são parcialmente negadas ou alteradas. A palavra ''aprende'' é uma dessas dissociações. O mais interessante é que muitos dos erros cometidos pelas pessoas na hora de escrever está baseado justamente nesse atrito entre a lógica e a convenção. Quando eu falo ''aprende'', na verdade, falo de acordo com o meu sotaque, ''aprêndi''. Pela lógica, tal como se fala é tal como se escreve, de acordo com a sonoridade dos vocábulos. Mas, os sotaques geralmente variam e, ainda foi convencionado que a única maneira ''correta' de se escrever essa palavra, até para diferenciá-la do ''aprendi'' [''aprendí''], é com seu término em ''e''. É um caso em que certa convenção se sobrepõe à sua própria regra ou lógica ''se escreve tal como se fala, de acordo com a combinação dos vocábulos''. Outro exemplo, que acho pertinente de ser usado nesse texto, encontra-se na língua inglesa, e é o uso do ''you are'', tanto para o singular ''você é'' quanto para o plural ''vocês são''. Ora, mas se existe o ''is'' para o ''é'', então por que é usado ''you are''? A lógica pura não explica isso, mas a lógica da convenção sim, e ela não precisa estar totalmente vinculada à essa primeira.
Memorizar uma convenção é o mesmo que ''memorizar leis ou regras'' impostas por terceiros ou coletivizadas por muitos. Tal como ''lavar as mãos antes de comer'' ou ''se sentar na cadeira durante a aula''. É fato que quando aprendemos algo, também estamos memorizando leis ou regras deste algo, de seu comportamento estrutural, já que todo conhecimento assim se constitui, aliás, tudo. No entanto, tem uma diferença aí, entre memorizar uma realidade concreta, forjada ou abstrata, e uma convenção ou determinada por outras pessoas, mesmo em relação à sonoridade das palavras, se o ''a'' terá um som mais fechado ou agudo, por exemplo. Estou concluindo, portanto, que uma boa parte da dita ''inteligência verbal'', não se consiste naquilo que a inteligência se caracteriza de modo mais significativo, que é o raciocínio afim de compreender uma realidade, mas na memorização ou ''raciocínio passivo'', no sentido de memorizar leis ou regras de convenção, isto é, de mostrar o quão obediente ou perfeccionista se está em relação às mesmas, e isso é domesticação ou comportamento domesticado.
Se os testes de QI se relacionam mais com os aspectos verbais, então pode ser que sigam similar realidade, em que, apesar de expressarem aspectos importantes da inteligência, também estão condensados de habilidades que são mais sobre domesticação ou capacidade de obedecer, internalizando regras de convenção, do que de raciocínio. A inteligência verbal, em sua qualidade, seria, ora pois, o raciocínio verbal, no intuito de compreensão das palavras, em sua aplicação cotidiana mais adequada, de reconceituá-las de modo mais preciso, ou de inventar novas [criatividade ou cognição verbal aprofundada], de preferência, palavras que não sejam sinônimos muito próximos de outras. A memorização além de uma capacidade de suporte ao raciocínio, portanto, também se consistiria em uma característica de domesticação, especialmente se for associada à internalização de regras de convenção.
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