Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, na minha opinião, é uma das obras de distopia mais interessantes porque, ao invés de se basear em um cenário explicitamente problemático, como acontece com 1984, de George Orwell, o faz de uma maneira tão sutil que nos deixa em dúvida se a sociedade proposta no livro é realmente distópica. Afinal, um mundo absolutamente estável, dominado pela ciência, em que, apesar de uma doutrinação intensa que visa inculcar um estado de conformidade e felicidade constantes, a maioria dos seus habitantes é bem tratada pelo estado, mantida saudável, com aparência jovem e/ou sexualmente "livre' até os últimos dias de suas vidas, não me parece tão horrível assim. O maior problema é que essa "harmonia coletiva" aconteceria em troca de uma absoluta submissão do indivíduo ao governo ou estado. Sem falar da existência de uma classe, a mais baixa na hierarquia, criada para não ter qualquer individualidade.
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quinta-feira, 11 de agosto de 2022
Sobre Admirável Mundo Novo e perspectivas existenciais
Outro aspecto interessante desta obra prima da literatura universal, mas que também é comum em outras obras do gênero, é que sua hierarquia de castas sociais parece que foi inspirada na própria realidade humana, com a existência de classes de indivíduos conformados às suas posições sociais: alfas, betas, gamas, deltas e ípsilons. E de indivíduos socialmente excluídos e/ou "desajustados", incluindo os "mais despertos", como o protagonista da trama, Bernard Marx.
Por isso que não são apenas castas sociais ou tipos de personalidade, mas também perspectivas existenciais distintas, que são maneiras totalmente particulares de percepção de vivência da realidade.
Pois são justamente os "mais despertos" os que reproduzem as perspectivas existenciais mais realistas, por serem indivíduos socialmente desajustados que passam a ver além das ilusões da sociedade humana, o que acaba lhes causando uma grande melancolia existencial. Uma espécie de "casta dos sem casta". Já os análogos do mundo real aos alfas, betas, gamas, deltas e ípsilons, são os tipos que, em profundo contraste aos mais despertos, estão totalmente doutrinados a acreditar nessas ilusões, especialmente sobre suas posições dentro da hierarquia social, reproduzindo perspectivas existenciais mais alienantes. Por fim, aqueles que encontram-se em uma posição marginal à sociedade, ou "selvagens", mas que não conseguem expandir suas perspectivas mais primárias ou subjetivas. O que não é exatamente o caso de John, um dos personagens mais importantes de Admirável Mundo Novo que cresceu junto com "selvagens", por também ser, tal como Bernard, um "outsider".
(1984 também retrata uma sociedade hierarquizada em classes alienadas: partido interno (elite), externo e proles, e com indivíduos despertos).
Uma diferença entre essa ficção e a realidade é que, no nosso mundo, não parece ser necessário o emprego de técnicas muito sofisticadas de doutrinação ideológica para manipular e convencer, especialmente os tipos mais suscetíveis e que tendem a representar a maioria da população, já que eles praticamente nascem com essa vulnerabilidade; predestinados a serem doutrinados.
Outra diferença percebida é que a maioria dos seres humanos não-fictícios, ao menos de acordo com essas mesmas categorias, são de tipos mais "misturados" do que "puros"', por exemplo, a tendência relativamente comum de que indivíduos que poderiam ser considerados "alfas" tenham uma aparência ou constituição física mais "atraente' e não serem os mais academicamente inteligentes, em contraste aos do livro que apresentam ambas as qualidades... O que contribui para tornar nossos contextos até mais complexos.
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