terça-feira, 18 de abril de 2017

Os portadores do mundo

Ardores de um poeta,
Que a realidade esbarra e o faz coçar,
E o machucado, que o faz sangrar,
E o tempo e o espaço, que o fazem rezar,
Com ou sem deus, com ou sem coração,
Mais frio ou mais quente,
Mais envolvente, de alma presente,
Com ou sem muita ilusão,
Porta, a arma da tristeza,
Melancólico, desligado,
Do mundo humano em seu frenesi,
E de sua aspereza,

Desencantado,
Em sua cascata sem fim, que perfaz toda espécie,
Por ser demasiado humano,
O poeta pode deixá-lo, e o faz
Como portador do realismo
Menos por seus fatos
E mais por suas sensações
Por seus risos, desacatos, efusões 
Como a um portal do infinito
Ou do finito, querendo tornar
Imparável, interminável, ingerminável,
O portal das emoções mais puras,
Sem cultura, sem costura, sem roupas ou luzes dos postes,
Da tristeza mais profunda, mais real,
Da alegria mais colorida, mais surreal,
Do ódio mais espumado, do amor mais acalorado,
O portal das dores, daquilo que o homem comum nega em pensamento, prefere se distrair, abstrair, sumir no mundo mudo, surdo, cego, que tem os sentidos trocados, vê com os ouvidos, escuta com os olhos, degusta com o olfato, cheira com o paladar, de joelhos e penitenciados, 

Pensa com o coração, Sente com o cérebro,
Subtrai quando deveria somar,
Divide quando deveria multiplicar,
Em um mundo confuso porém lógico,
Passa a cruz pra quem já sente os pregos nas mãos,
E o mártir poeta, que sente tanto,
Que quer tanto, e tão apenas,
A vida,
Mas ela é tudo,
No tudo ou nada,
Sabe o que perderá,
Doce e tão melancolia,
Que o poeta em sonhos e letras,
Busca criar", uma ponte entre o imundo humano, e o mundo dos fatos, em especial das sensações,
Se são essas as lágrimas dos padrões, 
Mágoas da sina, do destino, e da vida,
Mais por ama-la do que por odiá-la,
Mais pelo menos, pela elegância, celeste estrela, pela beleza, tão odiada, tão maltratada, tão contundida e deformada,
Os portadores do mundo,
Sabendo ou sentindo,
Os poetas são, 
De quem nasce, 
com um nó no coração,
De quem, ao menos nos versos, 
Nunca nega a comoção, 
De saber que vive, que é vida,
Que quer vida,
E que a perderá, que nos perderemos,
Pra sempre, num descanso profundo, 
Ou sei lá, se ainda seremos,
E enquanto vive, 
Sê poeta, ser intenso,
Religioso, ligado a deus,
Desligado de si, sendo apenas portal,
Traduzir, na língua dos homens,
Os versos do universo,
Das chagas do inverso,
De um tão sem instinto,
Tão perto do mundo,
Do mundo de verdade,

Em busca de um carinho, de uma lealdade,
De um tudo,
Mas ser portal é deixá-lo,
E os portadores do mundo,
E os poetas e suas peles sensíveis,
E as janelas de anis, 
E as dores, amargores e doçuras,
E as sensações que captura,
E que eterniza, ele acha, pobre ingênuo,
Pega a pureza dos sentimentos,
Torna em palavras a pureza do existir,
E some em suas chagas, em sua dúvida, em seu ódio pelo parir,
Por estar aqui, por gostar daqui, 
E por saber que acabará, que não adianta a força de sua paixão,
Porque o destino o apagará,
E divino, voará pelo véu que cobre tudo,
E a tudo, que queria ter,
Voltará a ser,
E ao ser tudo, não mais o será,
Dormirá pra sempre* 
Como a um Deus penitente* transeunte, onisciente* 
Será que somos os portais da existência*
Se somos tudo, em poucos grãos, em nossas pequenas redomas,
Gritamos, sonhamos, e voltamos a dormir como o sempre*
Ou queimaremos como chama ardente*
Os portais das dores, os porta-dores do mundo,
O poeta, romântico e moribundo,
Profético e muitas vezes confuso,
Em seus pobres versos, em sua humilde pena,
Sonha por uma bênção, e torna em poema,
E entorna seus risos e choros em beleza,
E se entorna, artista, ruidoso, mesmo no mais íngreme silêncio,
Mesmo no timbre do vento, do ancião lamento,
Da vida a buscar por si mesma,
A querer o fecho deste ciclo,
E o humano, o único que não tem muito instinto em frente,
Vê um horizonte escuro, intransigente, mudo de sentidos,
Perturbadoramente estranho, silencioso e dominante,
E se segura, porque o penhasco é logo ali em frente,
E busca em sua vida, algo mais do que dormente,
Se vai dormir mesmo no final, quer ser o mais desperto e atraente.
E em ritual, põe-se a rabiscar os seus ardores, a sua condição patológica,
Por levar as lágrimas do mundo nas costas,
Se as suas próprias, que teimam em se esconder, já pesam tanto,
E se o limbo da vida já cansa tanto,
E se o ser humano, em seu pranto, põe-se a complicá-lo,
A tornar o simples em abstrato,
A entornar-se em jatos, de maldades, de ignorância, de tempestades,
Se somos copos, compactos, orgânicos, futuros dejetos, 
Os portadores do mundo, os mais incertos, em sua penumbra, os mais poéticos, em suas emoções, buscam no refúgio deste pesadelo, um sonho, quer na tristeza, torcer alegria, quer na incerteza, buscar nostalgias, 
Quer o passado, que tem em mãos, quer enrolá-lo, empurrá-lo, rente ao futuro,
Quer reter aquilo que já teve, que já foi,
Porque sem lembranças, o futuro é um pulo cego,
E os portadores do mundo, os poetas, certos, que a saudade importa, que os portais comportam, o tempo em seu gotejar, o espaço, em seu movimento, o mundo em seu caminhar,
Os porta-dores sentem muito, alucinados porém lúcidos,
Sérios em meio ao lúdico,
À brincadeira que também é verdade, 
À realidade que suporta a beleza,
A poesia que, pequena, muitas vezes desprezada,
Revela a grandeza...

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