segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Racionalidade, a verdadeira "normalidade" e a metáfora da linha do Equador e do meridiano de Greenwich

"Normalidade" ou especificidade cultural/moral

Racionalidade ou "normalidade" ideal/essencial

Quando estudamos geografia, na escola, aprendemos que o ser humano tem dividido o planeta em paralelos e meridianos. Que os paralelos são linhas imaginárias que dividem o mundo em dois hemisférios: norte e sul; que o paralelo de maior circunferência é a linha do Equador; e que determinam as latitudes. Que os meridianos são linhas imaginárias que dividem o mundo em dois hemisférios: leste e oeste, e que determinam as longitudes. Que o meridiano mais importante é o de Greenwich, em Londres,  ponto estabelecido por convenção. Se o professor foi virtuoso no ensino dessa matéria, então, ele também terá chegado à  conclusão que a linha do Equador foi definida com base em critérios estritamente geográficos, enquanto que o meridiano de Greenwich foi definido com base em critérios "políticos', afinal, a priori, tanto faz a localização do meridiano e, no entanto, foi decidido que seria no país mais rico da Europa naqueles tempos.

Agora, a metáfora que quero fazer.

Imagine que o meridiano de Greenwich é equivalente àquilo que temos aprendido a chamar de "normalidade" e que a linha do Equador é aquilo que poderíamos chamar de racionalidade. Ok, mas, por quê?

Porque a "normalidade" está totalmente restrita à cultura local ou na qual se está inserido. O que é definido como normal ou anormal, em termos de comportamento, pode mudar dramaticamente de região para região. A "normalidade", portanto, é tão relativa quanto o ponto ou meridiano principal que divide o planeta em leste e oeste, pois é uma linha imaginária de "certo" e "errado" que tem sido definida por convenção e não totalmente com base em critérios mais neutros/universais ou "científicos"/factuais.

Já, a racionalidade, mais se parece com a linha do Equador porque, mesmo também se consistindo em uma linha imaginária, de certo e errado, se baseia em critérios muito mais verdadeiros ou factuais e, portanto, mais universais. Não existe uma linha na parte mais ampla da superfície terrestre, que a divide em norte e sul, mas é notoriamente observável que se localiza na parte mais distante dos pólos.

Os critérios de certo, discutível e errado, da normalidade, pendem à aleatoriedade qualitativa, vezes baseados em fatos, mas mais comum de se basearem em opiniões subjetivas, incluindo distorções grosseiras da realidade.

Exemplos notórios de "normalidade" ou especificidade cultural:

"Na Arábia Saudita, a diversidade sexual é condenada com base na crença religiosa (isto é, em uma distorção grosseira da realidade). Mas, é normal que homens andem de mãos dadas nas ruas"

"Em certa tribo da Papua Nova Guiné, a passagem para a vida adulta, de menino para homem, acontece a partir de um ritual com relação homossexual"

....
 
"Em certos países da Ásia oriental, a prática de comer carne de cachorro e gato não é totalmente condenável, ainda que seja menos comum do que alguns ocidentais pensam".

"No mundo ocidental, a prática de consumo de carne de cachorro e gato é significativamente condenada... Mas o exato oposto em relação ao consumo de outras espécies domesticadas"

Exemplos de contrapontos racionais:

Respectivamente

"A diversidade sexual é uma expressão natural e não condenável moralmente porque, a priori, não causa sofrimento de nenhum ser humano (ou seres vivos de outras espécies), como se sentir atração pelo mesmo sexo fosse, por si só, problemático. No entanto, qualquer prática que é autoritária e extremista, em que não há diálogo, concessão, conciliação e/ou esclarecimento  entre os envolvidos e que ainda pode causar sofrimento sem haver necessidade, deve ser criticado, mesmo que tenha se tornado norma em determinada cultura"

"O carnismo é moralmente condenável principalmente quando existem alternativas à sua prática. Ainda assim, é um tópico difícil porque não sabemos com precisão o quão vegetariano o ser humano pode ser ou se tornar. Em relação ao 'hábito' citado, isso é ainda mais condenável porque se consiste numa expansão do grupo de espécies que têm sido sistematicamente objetificadas para agradar ao paladar egoísta de seres humanos e com a conivência velada de muitos de nós. [...] O mais ideal é de buscarmos diminuir o consumo, em quantidade e no tipo de alimento, preferindo por "frutos" do mar do que por animais terrestres ou aviários, para quem ainda está no início desse processo ou não consegue ir mais adiante, e para os que se sentem mais confortáveis, de abraçar essa mudança de maneira integral. Ainda valendo dizer que o veganismo não se limita à alimentação."

Se guiado apenas pela racionalidade, o indivíduo sempre buscará se basear em fatos para construir seus valores morais e pelas resoluções mais ideais, seguindo a lógica essencial e subentendida das outras espécies que, como eu já comentei em outros textos, não têm o mesmo luxo que nós de dispensar seus ideais de adaptação que são inteiramente construídos a partir dos seus tetos de compreensão da realidade. Para nós, o nosso ideal também é o teto de compreensão ou conhecimento da realidade que podemos alcançar, e isso reflete diretamente na qualidade dos valores morais ou de comportamento.

Se sabemos que ser homossexual não é antinatural, doença ou crime, então não há razão para condenar. O que não é o mesmo de ser incriticável. Se sabemos que somos todos iguais, em essência, que temos apenas uma vida para viver, podemos concluir que, devemos minimizar nosso impacto negativo no mundo para aproveitarmos ao máximo essa única vida, mas, com responsabilidade, convivendo harmoniosamente em sociedade, em relação ao meio ambiente e também às outras espécies, especialmente as de convívio mais próximo, isto é, sempre usando a bússola do bom senso (substituindo pelo senso comum ou "normalidade").

Normalidade e racionalidade se baseiam na razoável ideia de que o ideal é sempre o que é mais equilibrado e, também, no sentido de mais verdadeiro. No entanto, apenas pela racionalidade que podemos produzir sistemas de valores morais totalmente baseados no que é o mais ideal e, também, verdadeiro.  De, primeiramente, percebermos verdades objetivas para, então, pensarmos nas melhores maneiras de lidar com elas...  em oposição predominante às normas culturais vigentes ao longo da história humana, porque têm sido baseadas em opiniões subjetivas especialmente de grupos dominantes e, ainda, sem ter como finalidade o que é o mais ideal.  

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