segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Pela sabedoria, ateísmo é religião que é conhecimento

O que é a religião?

É a busca pelo propósito ou finalidade de existir. Quando encaramos sozinhos o nosso tempo de existência. Quando a vida se confronta com o seu derradeiro destino. 

A religião são verdades absolutas ou conhecimentos existenciais e,  portanto, corresponde ao próprio âmago da filosofia, por ser o mais alto nível de realismo, de não apenas existir mas a partir do porquê de existir. É uma necessidade inerente à inteligência humana, já que para os outros seres vivos este porquê está contido em seu próprio modelo particular de existência.

Pela sabedoria, um falso paradoxo, porque o ateísmo é a base para a verdadeira religião, por ser um conhecimento existencial primordial: a inexistência da metafísica (continuidade infinita da vida) e/ou de divindades conscientes.  

 A partir daí, revela-se o real propósito da vida, contido em si mesma: o divino ou extraordinário e[ou] básico ato de viver. Ao invés da crença, a certeza desta realidade, de estar vivo e reconhecer a magnitude absoluta deste ato.

A mitologia distorce o significado da vida, tirando-o de si mesma. A vida perde a sua centralidade e se torna um meio para um fim. O fim é o sobrenatural, o metafísico. Mas, o metafísico é o nada, que categoricamente não existe. 

Ao contrário da tese popular, de que a religião, enquanto mitologia, nos conecta com uma dimensão superior de consciência e compreensão da realidade, na verdade, nos conduz, regressivamente, à condição "animal" ou pré autoconsciente, em que a vida é um meio para um fim, servindo a um propósito particular, pragmático, ao invés de um propósito essencial, em si mesma, sem saber o quão fundamental é o próprio viver, antes, durante e depois de sobreviver. A divindade ou a extraordinariedade do ato de viver é transferida para além daquela que o expressa, com grande ênfase na perpetuidade da espécie. Por causa da perda do instinto reprodutivo, como um dos prováveis efeitos do aumento escalonar da inteligência humana, precisamos de uma razão para procriar, daí também o aparecimento de mitologias, já que sem a superimposição instintiva de tarefas, procriar deixa de ser uma necessidade absoluta e se transforma numa escolha mediada pela persuasão.   

Para a ideologia mitológica é preciso um criador e seu produto ter uma finalidade diretamente servil a quem o criou. Mas, antes de ter um propósito particular, o viver, a vida tem um propósito universal ou igual para todas as outras existências, existir.

Então, o que é o viver, em sua verdade essencial?

A vida, em sua essência, existe como espelho, testemunha e mensageira da realidade. É um espelho, por ser parte da realidade, por "olhar de volta". É testemunha, por vivenciar a realidade, por reconhece-la, independente de seu alcance de percepção ou nível de consciência, e é mensageira porque vive e transmite sua realidade particular ao longo do espaço/tempo. O que é, o que vivencia e o que transmite são verdades ou reflexos da realidade por sua perspectiva.

Viver, mais do que ''viver'', é ser, sentir e transmitir verdades (ou conhecimentos) de modo que, contribuam para maximizar sua qualidade de existir. 

[O verbo ''viver'' é uma daquelas designações semânticas que não expressam objetividade em seu conceito. O verbo ''matar'' é mais objetivo ou auto-entendível que o verbo ''viver'', por exemplo.] 

O ser humano, ao transbordar sua própria subjetividade ou limite sensorial adaptativo, passou a saber mais do que poderia saber ou suportar o que, se por um lado, atiça a sua curiosidade, por outro também sua necessidade de fantasia ou de fuga, para viver ou suportar essa perspectiva que vai muito além de si mesmo, que revela sua pequenez [finitude, fragilidade]. Todas as outras vidas têm em seu viver "tudo o que precisam" saber ou compreender. O ser humano sabe aquilo que não sabe e do que não gostaria de saber. Para os outros seres vivos, seus limites perceptivos são máximos. Para nós, são como fronteiras ou limites relativos, onde é inevitável a percepção de horizontes além delas, e não apenas uma perspectiva verticalizada ou autocêntrica de existência, mesmo que acabemos nos comportando de modo tão ou mais egoísta, até mesmo pelo artifício da mitologia, que a reconstitui. Pela descoberta da filosofia, extrapolamos a zona de conforto ou de alienação natural, em que apenas se sabe aquilo "que se deve saber", para a sobrevivência. Se a religião é, em sua verdade, uma perspectiva essencial [centro universal] de conhecimentos ou verdades além-subjetivas, a mitologia, novamente, visa reconstituir o domínio absoluto da subjetividade, por exemplo, pela criação de deuses ou fenômenos antropomórficos, identificáveis, que iludem o ser humano de ser absolutamente importante para o grande esquema das coisas, da existência. Todos os seres vivos são alienadamente autocêntricos [alguns bem mais que outros] pois tratam seus limites de compreensão do mundo como a totalidade do mundo. As narrativas mitológicas sempre se baseiam neste mesmo autocentrismo, nessa tentativa de ter todas as respostas e respostas 'gratificantes" ou suficientes para nos manter em nossas zonas de conforto, em que o mundo é explicado com base em nossas perspectivas, nós, supostamente, em seu centro, e não por si mesmo.

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