quinta-feira, 3 de agosto de 2017

A diferença crucial entre o filósofo escritor, o escritor filósofo e o filósofo

Eu já li, acho que, uns dois livros do Nietzche, e não sei se foram aqueles que são resumidos. Gostei da leitura. Confesso que em algumas partes eu fiquei perdido. O autor se preocupou com a estética de sua narrativa e escrita, e não necessariamente com a possibilidade de entendimento direto dos seus pensamentos por parte de seus leitores. Em termos de literatura Nietzsche foi genial. Só que percebe-se, ou ao menos, eu percebi, que ele ficou permanentemente balançado entre a vocação de escritor e de filósofo e no fim parece que o primeiro venceu. Novamente em termos de estética Nietzsche foi genial. No entanto em relação à filosofia ele definitivamente cometeu uma série de pecados difíceis de serem perdoados partindo do próprio fato que ele praticamente negou uma das principais funções da filosofia, a busca pela sabedoria. E negar a moralidade com certeza que não se consiste em buscar pela sabedoria, sem antes ao menos ter tentado entende-la e lhe digo que, quem a entende, não mais a renega da maneira vaga porém impactante como ele fez. Os aforismos de Nietzsche ao contrário de explicarem de maneira clara os seus pensamentos e direcionados para a filosofia simplesmente se caracterizam por uma tendência ao vago porém aparentemente profundo, e mesmo naquilo em que ele acertou mais, acabou por não termina-lo como deveria ter feito.  Por exemplo Nietzche criticou duramente o cristianismo desprezando as suas qualidades, diga-se, e talvez até pior, ao determinar como defeitos as poucas qualidades realmente virtuosas desse sistema de crenças. Em compensação Nietzsche contraditoriamente se derramou em elogios ao islamismo. Pensemos quais que seriam as saliências significativas entre um monoteísmo e outro?? Se existirem. 

A tal força do islamismo [elogiada por Nietzche] parece ter contribuído para manter essa parte do mundo na escuridão da superstição por séculos a fio. Não é que o cristianismo tenha feito algo diferente. É que a atitude racional quase auto-evidente aqui é a de criticar os dois. Coisa que o nosso gênio da...literatura, não fez. 

Se se diz filósofo, mas confunde estética no estilo da escrita com filosofia, então não é um filósofo genuíno mas provavelmente um tipo misto, provavelmente com o de escritor. Parece ter sido este o caso de Nietzsche. E mais, eu tenho a forte impressão que a maioria daqueles que se declaram como filósofos de maneira seca ou direta na verdade se consistam em tipos mistos. E o pior é que isso pode não ser bom, como se fosse uma diversidade benigna para a filosofia, mas em um excesso e com resultados, bem, historicamente visíveis/desastrosos. 

Dostoievski dedicou-se à literatura e acho que nunca se declarou como filósofo. Mas se Nietzsche o fez ele também bem poderia ter se declarado como tal. O diferencial talvez é que ele não "se formou" em filosofia. Resultado: ninguém nega o gênio literário de Dostoievski. Mas talvez um número menor de pessoas consigam reconhecer essa sua veia filosófica, que é naturalmente melancólica, isto é, de associar a sua melancolia com o ato, ainda que inicialmente literário, de filosofar. É difícil reconhecer Dostoievski como filósofo nato ainda que acredite que ele não tenha superado Nietzsche em erros crassos de racionalidade. 

Um caso muito polêmico e pra mim ainda difícil de julgar corretamente é o de Heidegger. Outro que esbanjou (até demais) na estética da escrita e que não deixou límpido e factual os seus pensamentos, e pra sermos sinceros, apenas pensamentos não bastam pra filosofia. 


Eu já escrevi um texto sobre a verborragia de muitos aprendizes e/ou auto-declarados filósofos. No mais, aqui eu resolvi apenas identifica-los de maneira mais saliente do que no outro texto.

Também disse que muitos filósofos são na verdade de criadores de culturas ou profetas de suas próprias iluminações. E a priore não há nada de errado nisso. O problema é que a realidade continua sendo uma só e portanto exige apenas uma prática filosófica, de modo que todas as outras formas mais parecem se consistir em deformações dos princípios essenciais da filosofia, novamente demonstrado como "a busca e a prática da sabedoria", que já está sacramentado em seu próprio conceito. 

O filósofo completo ou "puro" preocupa-se muito mais com a compreensão factual moral do que com a estética dos seus textos e este é o grande diferencial. Ele até pode tirar lágrimas ou qualquer outro ânimo mais aflorado de seus leitores/seguidores mas se não vier embutido em sua prosa: embasamento e razão, então cairá em uma das duas versões imperfeitas do ato de filosofar, de se ser um escritor filósofo ou um filósofo escritor/literário.

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