quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

O vicio do pensamento




Os mesmos mecanismos que ''nos fazem'' viciados em bebida, sexo, cigarro ou "ópios", também são responsáveis pela "droga do pensar Ideológico'".

A fé é um vício, tudo é ou está dentro do espectro da inércia-hábito-vício.

Forma, interesse e a saborosa sensação de ter a verdade em mãos

Enquanto formas, em mentes e em corpos, nos debruçamos naquilo que melhor se comunica com nossas respectivas existências organico-individuais. Reagimos por meio de nossas expressões, que funcionam como um eco de nossas imagens ou auto concepções ( consciência da forma ). Do corpo físico, pensamentos, ideias, emoções e ações se projetam enquanto fenômenos abstratos e "reais' das formas viventes ou simplesmente vidas, resplandecendo nossas próprias características. Mesmo o blefe, moeda de troca tão comum dentro dos ambientes sociais humanos, nada mais é do que parte indissociável de nossas naturezas e é claro que variará consideravelmente de pessoa a pessoa, grupo a grupo.

O vício primordial é o de viver. Quando adentramos em novas dimensões do existencialismo, caímos no lugar comum da incerteza do sentido da vida. Se não temos qualquer certeza então o porquê de continuar a viver?? Na verdade somos puxados por forças ou energias que mantém acesa a vontade de continuar, se na verdade, vive-se sem saber o real porquê. Da mesma maneira que todos os outros vícios se apresentam pra nós.

O  cigarro, uma das pragas artificiais inventadas pelo ser humano, funciona como uma recompensa, geralmente em relação a estados ansiosos, de nervos a flor da pele. Assim como este maldito, toda a sorte de vícios oficiais ou que são caracteristicamente excessivos, partem do mesmo princípio, a recompensa fácil de ser conquistada e portanto altamente requisitada. Somos muito viciáveis, poder-se-ia dizer que todo modo de vida ou rotina é um vício. Somos espelhos ou reflexos momentâneos do céu de estrelas acima de nós e como eles, precisamos do equilíbrio, do contrário, não existiríamos ou nos desintegraríamos pelo caos. A vida sempre busca por sua estabilidade, o melhor modo de salvaguardar a sua estrutura, perene, efemera e transferível. E geralmente, sem o pensar reflexivo, a vida terá como únicas razões, a própria sobrevivência e a replicação da própria forma e expressão. Com a reflexão das próprias ações e mesmo das não-ações (de natureza ou impacto físico) novas janelas se abrem para a experiência da vida, além da óbvia dupla essencial citada. 

O vício parte de uma tentativa de estabilização, só que se fará altamente envolvente, organicamente atraente, a ponto de nos transformar em seus escravos. Não é incomum que o corpo peça e a mente refugue atender a tal obsessão, geralmente  dando a vitória ao instinto da necessidade orgânica.

Uma vida saudável que por si só já é um vício, se caracterizaria por uma constelação de pequenos "hábitos" ( ou o vício diluído em  intensidade) cotidianos. Caminhar pela manhã, comer frutas e verduras, evitar alimentos que fazem mal, manter o espírito sereno. Primeiramente porque as transformações essenciais do temperamento são muito raras. Muito poucos aqueles que conseguem regrar seu próprio comportamento e suas emoções de maneira abruptamente excepcional. Geralmente, já se nasce disposto a ser mais calmo ou irritado. Transformações substancialmente significativas em vida são muito raras mesmo para os mais sábios, mesmo que evoluam em vida, tal potencial tenderá a limitar-se dentro do campo das ideias e ainda mais para as ações. Ainda mais para o sábio, especialmente o tipo mais prodigioso, que também tenderá a ser melancólico, o abrandamento proposital do fogo vital será interpretado como um desperdício de energia, se está tão profundo na incerteza existencial. Em compensação os sábios mais contemplativos serão em média mais prendados ao perfeccionismo comportamental, só que já com base no melhoramento de uma disposição outrora aflorada e não de uma conquista fantástica, de transformação total do espírito. Novamente é de bom tom repetir que tal possibilidade é de extrema raridade porque é extremamente difícil de ser realizada.

Partindo da expressão da forma como a externalizaçao da morfologia, fazer ou agir de acordo com o que se é, mental 'e' estruturalmente, diferentes estilos de viver/agir coexistirão. E diferentes vícios de pensamento estarão presentes, constantes e altamente influentes no desenrolar das vidas complexas e especialmente a humana.

As diferenças entre religião e ideologia são tão sutis tanto em conceito quanto em expressão que seus efeitos entre os seres humanos são praticamente os mesmos. Vícios são certezas de alegrias efemeras porém imediatamente eficientes. É certo que o cigarro abranda muitos espíritos. É certo que a reciprocidade de um sistema de ideias (prelúdio tanto para ações como para fatos) "ou' dogmas em relação às formas, seres e suas expressões, se assemelha quase que inteiramente a amizade sincera de dois indivíduos

A ideologia conforta e é altamente viciável, como a um cigarro, porque é deslumbrante para certas formas, lhe diz aquilo que as suas mentes mais desejam escutar, se cigarros, drogas ou bebidas falassem, fariam da mesma maneira sordidamente convidativa como as ideologias e seus respectivos propaga-dores. Não é tão absurdo constatar que se uma forma encontrar-se altamente recíproca e viciável a ter como certeza existencial a igualdade absoluta dos seres humanos, então tal relação não será exatamente um erro, se lhe fará bem...

O problema é que este fazer bem é egoísta e não leva em consideração os demais e também a realidade, se o que crê é muito provável que não resplandecerá perfeitamente o mundo real

Quase todos os sistemas ideológicos são corruptos em relação a honesta atividade de se investigar, encontrar a(s) verdade(s) e principiar por seu uso constante, tornando-a(s) rotinas essencialmente vitais. 

Mas tudo é vício e ou hábito, mais ou menos intenso, inclusive a sabedoria. O problema não é o vício ou hábito ( o vício em intensidade mais lenta) per si mas a sua intensidade, nao tanto a constância, que será quantitavemente tolerável ou requerida, e a sua natureza complementar ou destrutiva a vida. Alguns sortudos ainda poderão experimentar hábitos que geralmente serão corrosivos ou somáticos ao bem estar orgânico, mas que nascerão protegidos ou robustos e se desvencilharão com facilidade destes destinos de progressiva precariedade do corpo e do espírito.

O pensamento é um hábito e como qualquer ação humana não apenas estará sujeito ao vício mas o será somente enquanto um potencial inato de intensidade, constância e natureza. Não é desastroso caminhar quase todos os dias. Mas o será se o fizer com grande intensidade. Claro que estou usando o exemplo de um hábito solenemente solitário e com reverberações fundamentalmente individuais, isto é, se faz mal ou bem será apenas para o individuo que o estiver praticando.

Em compensação os vícios de ideologia serão de grande impacto, porque no mundo geralmente ignóbil da espécie humana, as ideias não serão apenas prelúdios ou promessas de fatos e ações, mas tomadas como tal sem prévia e sábia análise

O pior é saber que muitos daqueles que as impõe sem responsabilidade terão total conhecimento ou consciência de suas ações monstruosas e consequências logicamente danosas.

Como ao cigarro, em situação de nervosismo ou ansiedade, recorre-se a ideologia de estimação, quase que mecanicamente, visando no abrandamento do espírito e na sensação de certeza/alegria. As certezas ''se fazem reais'' e confortam-nos quando necessitamos de seus confortos imediatos. é o sistema de recompensa que nos tornam viciados em certas ações, diga-se, vulneráveis a estimulação constante, com potencial de intensidade exponencial. Estas ações são interpretadas, ou melhor, tomadas como verdades absolutas, são associadas com o conforto vital ou o abrandamento do espírito. A sensação incontrolável de se viciar apenas um pouco, toma proporções gigantes quando nos referimos aos vícios ideológicos da mente, porque ao contrário da tomada lógica de consciência por exemplo em relação ao hábito de cheirar drogas muito pesadas, tal perigo será muito mais difícil de ser detectado. Metaforicamente falando, é como estar dentro de um ambiente fechado, pegando fogo e não acionar o alarme que esguichará água pelo teto, dentro de um destes monstros modernos, verticalmente envidraçados, tão prolíficos em nossa era tecnológica. 

O paradoxo encontrado nesta situação é de que quanto maior for a periculosidade direta do vicio (o hábito descontrolado), maiores serão as chances de detecção do desequilíbrio, enquanto  que ''quando'' (quase sempre) estamos tomados por nossos próprios egos, a possibilidade de descobrirmos nossas próprias falhas de expressão ou comportamento, será extremamente baixa, especialmente nos momentos mais importantes para prevenir a tempo que o fogo tome conta de toda a floresta. Justamente quando nos apaixonamos por essas viúvas negras ideológicas, que deveria ser acionado o alerta para o vício de uma estupidez potencialmente danosa, não apenas ao indivíduo, devidamente zumbificado pelo próprio ego, mas também com grande potencial de reverberação em relação a toda a vida que o circunda.


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