segunda-feira, 15 de maio de 2023

A maior falácia do "lugar de fala" viola o princípio mais básico da justiça

 Ser justo é ser imparcial e objetivo, é não tomar lados de imediato, de buscar não ser tendencioso, mesmo que isso seja praticamente impossível, se até a racionalidade também é tendenciosa, por ser ela mesma uma escolha específica de conduta intelectual e moral. Portanto, o ser imparcial, para ser mais preciso, não é o mesmo que não tomar lados, que seria a neutralidade, e sim de tomar o lado dos fatos, da verdade objetiva e sim ela é possível, ao contrário do que pensam os relativistas mais crônicos. Mas, segundo muitos autodeclarados de esquerda ou progressistas, o "lugar de fala" de um indivíduo é a perspectiva mais importante a ser levada em consideração, porque consiste em suas vivências em primeira pessoa, consideradas mais realistas que uma tentativa de observação imparcial. Isso significa, em termos literais, que, por exemplo, uma pessoa negra (sempre) estaria em maior capacidade de falar ou testemunhar sobre questões geralmente associadas à sua condição social, no caso, racial, tal como o racismo, do que uma pessoa de outra raça, já que tende a não apresentar as mesmas vivências. Mas essa interpretação, além de desprezar que o racismo pode ser vivido por pessoas de todas as raças por ser uma forma de tribalismo, uma inclinação universal do comportamento humano (e não-humano), também despreza que é totalmente possível que uma pessoa "de outra raça" possa, desde que baseada na razão, analisar e julgar com variável precisão questões geralmente vividas por indivíduos de outros grupos raciais. E isso se aplica à qualquer outra categoria, de gênero, sexo, orientação ou identidade sexual... Não que o "lugar de fala" seja completamente falacioso. Mas acreditar que apenas quem vivencia algo em primeira pessoa que tem a capacidade de descrever com precisão suas experiências e o que significam, isto é, que a experiência é sempre superior à capacidade racional, isso sim é uma falácia, pois seria tal como se, por exemplo, para compreender uma doença específica, em si, apenas pela experiência de adoecer dela, como se não fosse possível compreendê-la sem ter que vivenciá-la. Parece óbvio que, quem vivencia em primeira pessoa tende a desenvolver um conhecimento mais visceral. Mas nada impede que possam ocorrer exageros ou mesmo mentiras conscientes durante esse exercício e nem que, quem não vivencia determinada experiência possa desenvolver uma melhor compreensão sobre o tópico. Como conclusão, para validar o "lugar de fala" como ferramenta útil de conhecimento, é necessário que seja submetido à primazia da imparcialidade e da objetividade, enfim, da razão, que colabore e enriqueça ao invés de antagonizar com a mesma, porque, do contrário e estará contribuindo com a proliferação de uma abordagem potencialmente injusta, em que o "lugar de fala" de uma pessoa passa a ser considerado como uma prova cabal da verdade, tratando-o exatamente como uma fonte objetiva de informação, e não que se trata de uma fonte primariamente subjetiva. Por fim, essa colaboração faz-se absolutamente necessária...


Dos riscos envolvidos estão: de se estabelecer novas narrativas opressoras em que indivíduos são inibidos de falar sobre "os lugares de fala alheios", por exemplo, de um indivíduo desprovido de "aparência estética dentro dos padrões normativos" sofrer intimidação ou mesmo humilhação por outros ao opinar sobre qualquer questão atrelada; dos setores mais "reacionários" adotarem essa abordagem justamente para reforçar injustiças, tal como coibindo que "pobres falem sobre o lugar de fala dos ricos"; e ainda pode piorar muito, de que possa ser usado de maneira mal intencionada em questões jurídicas, tal como em falsas acusações de assédio ou abuso sexual...

Bem, acho que consegui demonstrar que há muitos riscos envolvidos na adoção do "lugar de fala", pelo menos de acordo com a maneira pretendida pela suposta "esquerda" identitária, que é impossível instrumentalizá-lo para que contribua sistematicamente com a prática da justiça sem ter o critério da racionalidade como o mais importante.

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