segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Coevolução gene-cultura: quem veio primeiro, a cultura ou a genética? E uma demonstração de como que narrativas neolamarckistas se infiltraram na ciência evolucionista

 Provável ou possivelmente...


Tem um estudo recente, publicado na revista Science, que foi realizado por um time internacional de pesquisadores que analisou as impressões deixadas nos crânios das espécies de Homo para entender melhor a evolução dos cérebros dos primatas. Então, a partir do uso de tomografia computadorizada de fósseis do crânio, eles produziram imagens de como provavelmente eram as estruturas cerebrais das primeiras espécies de Homo e as comparou com as dos cérebros de grandes símios e humanos modernos.

Os resultados encontrados mostraram que a espécie Homo desenvolveu pela primeira vez cérebros semelhantes aos humanos há aproximadamente 1,7 a 1,5 milhão de anos na África. Essa evolução cognitiva ocorreu aproximadamente no mesmo tempo em que a tecnologia e a cultura de nossos ancestrais estavam se tornando mais complexas. 


Então, teve um trecho da matéria que me deixou com uma suspeita. Esse aqui:

"A equipe levantou a hipótese de que 'esse padrão reflete processos interdependentes de coevolução cérebro-cultura, onde a inovação cultural desencadeou mudanças na interconectividade cortical e, finalmente, na topografia externa do lobo frontal' ". 

Porque está dizendo que foi a mudança na cultura que provocou mudanças morfológicas no cérebro humano. Está dizendo que a cultura veio antes que a genética ou a biologia... que a propiciou. Mas será que isso faz sentido?? Ou em qual sentido?? 

O que levou seres humanos, nos primórdios da trajetória evolutiva de nossa espécie, a cozinharem alimentos, especialmente a carne animal crua, e a construírem ferramentas mais complexas para caça e defesa?? De onde surgiram essas inovações?? 

Pois, pela lógica, não dá para dizer que o cozimento de alimentos, uma inovação cultural, e outras descobertas e inovações, vieram antes que a emergência de uma capacidade de inovação ou criatividade/percepção, isto é, de mudanças morfológicas associadas a essa capacidade. Só é possível concluir que foi o oposto, que a emergência de uma inteligência mais avançada e sofisticada, provavelmente resultado de forte seleção natural dos mais inteligentes, tornou possível essas inovações culturais. 

Mas não é isso que essa equipe de pesquisadores concluiu... Pois o simples fato de terem pensado e adotado essa possibilidade de explicação ao invés de uma mais "darwinista" já é uma demonstração do quão infiltradas estão essas narrativas neolamarckistas e como que podem deturpar seriamente nossa compreensão sobre tópicos tão importantes como a evolução humana. Pois mesmo que, hoje, possamos dizer que mudanças culturais podem desencadear mudanças morfológicas a médio e longo prazo, isso só é possível se existirem estruturas biológicas que as permitirem, sem falar que, "cultura", literal e tradicionalmente, significa uma imposição de tendências comportamentais específicas de ou desejadas por grupos de seres humanos, e que ainda pode ser considerada uma paisagem genética ou biológica estendida. Por exemplo, o crescimento intergeracional da altura média dos habitantes, primariamente de sociedades industrializadas, não tem acontecido apenas por causa de mudanças na alimentação, mas também por existir essa possibilidade, a priori, específica, de alteração fenotípica. Além disso, esse aumento tem ocorrido de acordo com a etnia ou raça de cada população, obedecendo um padrão biológico e variavelmente determinista. Outros tipos de evolução, mais significativos, tendem a acontecer a partir de mudanças de padrões seletivos, tal como o que resultou no aumento do tamanho e da complexidade do cérebro humano. 

Basicamente, se eu aprendi a amarrar os cadarços dos meus sapatos, antes foi necessário que eu apresentasse estruturas pré-existentes no meu cérebro que possibilitassem esse aprendizado. Dizer, ainda mais nos primórdios de uma espécie, que inovações tecnológicas e culturais causaram mudanças morfológicas ou biológicas é o mesmo que "colocar a carroça na frente do cavalo", de inverter a ordem mais provável ou lógica dos eventos. 

Essa ordem seria: uma forte pressão seletiva para maior inteligência causou o aumento exponencial do tamanho do cérebro humano e que, por sua vez, possibilitou inovações culturais ou tecnológicas. 

Mesmo se o ser humano pré-histórico tivesse descoberto por acaso a controlar o fogo ou a cozinhar seu alimento, ele ainda precisaria compreender o que percebeu, explicar o que entendeu aos outros, esperar que os outros lhe entendessem e replicar seu aprendizado ao invés de continuar dependendo que um raio caísse em cima de uma árvore para gerar fogo. O seu cérebro não aumentou de tamanho e de complexidade porque passou a consumir mais proteína animal ou carne cozida e, então, ficou mais inteligente. É o oposto... O seu cérebro  foi aumentando de tamanho por seleção natural, demandando mais energia e, essa necessidade, juntamente com a emergência de uma maior capacidade, acabou culminando nessas inovações culturais.

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