domingo, 15 de maio de 2022

Sobre esquerda, ciência e "religião"

 Quando você debate com um cientista, de fato: imparcial, objetivo, transparente e ético, ou com um indivíduo mais racional, você debate com quem está realmente preocupado em buscar pela verdade objetiva, que não teria maiores dificuldades em aceitar que está errado e de mudar de opinião, se necessário. 


Já quando você debate com um fundamentalista religioso, você debate com alguém que está convicto quanto à veracidade de suas crenças, imune a evidências ou fatos e que, portanto, dificilmente mudará de opinião. 

Pois se esperaria que uma pessoa que se diz de esquerda, é a favor do estado laico e da ciência, independente se acredita ou não em deus, pensasse mais parecido com um cientista do que com um fundamentalista religioso. Mas, apesar desta relativa ausência de uma crença religiosa ditando o quê ou como pensar, esta pessoa, se mais identitária ou marxista, tende a se comportar da mesma maneira que um fundamentalista, por estar absolutamente convicta sobre a veracidade de todas as suas crenças (político-ideológicas) e, portanto, raramente mudar de opinião, mesmo quando é exposta à evidências contrárias ou a argumentos melhores, pois está sempre racionalizando-as. Em outras palavras, mesmo se ela não tem uma crença em deus/eternidade, ela adota outras crenças pré-estabelecidas que quase nunca são criticadas ou testadas, por ela, para ver se realmente batem com a realidade. 

Interessante observar que, fundamentalistas religiosos e esquerdistas tendem a compartilhar os mesmos valores (ideologia/parcialidade//politização, empatia, emoção, abstração, relativismo e subjetividade) que são variavelmente opostos aos da ciência (empirismo, imparcialidade, lógica//racionalidade, transparência/ética e objetividade), com a diferença de que o fundamentalista jamais admitiria que os defende, pois acredita que suas crenças são verdades absolutas ou a própria sabedoria.

Mesmo nesta comparação, o esquerdista típico tende a ser menos fundamentalista que um fundamentalista religioso. 

Então, quando os dois se enveredam em campos científicos, ao invés de priorizarem a ciência, eles tendem a priorizar suas crenças ideológicas, resultando em trabalhos que são, em média ou desproporcionalmente, de qualidade duvidosa, trabalhos que são produzidos com o principal objetivo de confirmá-las, como se fossem fatos dados.  

Vale ressaltar que, ciência e religião também são ideologias, tal como a esquerda, porque são conjuntos de valores, ideais e crenças. A diferença é que a ciência é sobre a busca pela verdade via comprovação empírica. A religião, originalmente, como um núcleo da cultura humana e da verdadeira filosofia, também deveria ser sobre a busca pela verdade, por uma perspectiva existencial. E a esquerda, pois não há verdadeira justiça que seja com base na mentira.

Em relação à esquerda, acredito que é a crença no igualitarismo, na igualdade intelectual, psicológica e moral, primariamente entre os seres humanos, a principal responsável por sua deficiência científica. Veja, por exemplo, o absurdo que é defendido por muitos acadêmicos progressistas, de acusar a ciência de ser inerentemente racista, como se, por exemplo, a sua imparcialidade fosse uma imposição cultural do "homem branco". E ainda elevam à condição de conhecimentos mesmo mitos e crendices de povos indígenas, colonizados ou que tiveram suas terras tomadas pelos europeus. Com certeza que não fazem isso com base no pensamento científico e sem desprezar os conhecimentos legítimos que esses povos, historicamente, têm construído. 

Pois até parecem pensar que existe uma dicotomia entre ciência e esquerda, mas, enquanto a ciência, a priori, não tem um lado político (ainda que também seja uma ideologia), a esquerda que, diferente do conservadorismo tradicional, não tem como núcleo a "religião", alinha-se mais naturalmente com a primeira... 

Então, o que está provocando este descompasso paradoxal entre as duas??

Uma das causas é a natureza mercadológica da produção científica, que pressiona pesquisadores a priorizar quantidade sobre qualidade. Outra causa, talvez, a mais importante, se encontra no próprio desenvolvimento histórico das humanidades**, que tem sido mais divorciado dos fundamentos da ciência, do que em outras áreas, marcado pela valorização excessiva de abstrações, como se palavras fossem mais importantes do que seus significados ou relevância no mundo real, e pela imposição de crenças ideológicas tomadas como verdades absolutas, sem terem sido analisadas e comprovadas de maneira empírica, imparcial e objetiva.

** Se tem ocorrido um desvio no desenvolvimento das humanidades em relação aos valores ou ideais da ciência, isso se deve em boa parte pelo desvio da própria filosofia, primeiro de si mesma, de sua essência, como busca pela sabedoria.

Aproveitando essa crítica, eu também poderia me perguntar por que cientistas autodeclarados de direita tendem a não ser bons filósofos ou, mais propensos a serem de "anti-humanistas"?? 

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