quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

A morte de uma rua

Antes a vida passava por lá
Brincadeiras, chuvas, a infância
O circuito d'alegria tinha aquela rua
Paradeiro obrigatório
A alma sabia
E o corpo lá ia
E vivia aquele espaço 
Naquele tempo 
Quando estão em sintonia
Mas o vento 
O vento uiva
E o espaço despedaçou
As lembranças começaram a povoar
E as vivências começaram a morrer
E as pessoas morrem
Outros amores também 
E as casas perdem o sentido
E a vida muda
O fluxo da água muda
E o rio morre
Como uma rua
As árvores perdem as folhas
Ficam menos verdes
Caminhos se perdem
Redes se vendem
O eco de uma lembrança

No assobio do vento, de outras épocas
O percurso de um rio velho 
A seca saudade
Com sede, quer água
Se farta de lágrimas
Que derramam dentro 
E alma se lava, se encharca 
E eu aguento 
Que a rua morreu
O mausoléu da vivência é a lembrança
E a vida passa
E o poeta...
O único que a segue

Fanaticamente
Sempre em busca dela
Quer chamar a todos
Quer contagia-los de melancolia
O passado não foge
Se deixa ir
Nós que fugimos dele sem saber
Nós que matamos ruas, calçadas, histórias
Cheiros daquele tempo 
Nós que nos matamos
Na inglória, no momento
E os momentos passam por nós
E os deixamos
Também somos passados
Toda lembrança é um pedaço de nós
O tempo passa
E nos despedaçamos
E as ruas morrem
E choramos, por dentro
Na lembrança
No sorriso que entristece
Na tristeza que ilumina
Exatamente entre os dois
Frio alegre
Quente vida
Vida é triste
Se for realista
Logo existe, 
Mas deixa a si
Logo à vista
Tão frágil
E somos tão ásperos
Somos de cristal
Temos ossos fracos d'alma
Mas pensamos que somos feitos de aço
A poesia salva
A melancolia foi o que sobrou daquela pipa
Daquelas ruas
Daquelas chuvas de tarde
Daquela infância pequena
Da alma, cada vez mais carcomida

Do abrigo, cada vez mais sozinho
A morte de uma rua
Tão só, tão nua
Tão sua
Sua morte
E seu velório
Sua rua se foi
Nem que vivesse pra sempre
Não mais lembraria
Agora eu passo por ela
Frio
E ela fria
Mas por dentro eu sei 
Que essa rua já foi minha
Que eu já fui dela
E eu passo por ela
O tempo parou nela
E os meus passos passam
Rasgando as suas calçadas
Indiferente,
Mas por dentro
Tem um rio de saudades
Jovem, vivendo pra sempre
Sussurrando histórias
Jurando eterna lealdade

Nenhum comentário:

Postar um comentário