sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Estes olhos tristes e espertos...

Estes olhos tristes e despertos,
esta fileira de lembranças, este burburinho de criança,
esta poesia, espetando à pele, nadando e naufragando n'alma,
nua e breve,
gelada pelo imenso universo,
quente neste pequenino, micro-verso,
neste espelhinho a brilhar estrelas e luas,
neste espantalho, à vida humana,
sua e se abusa,
neste trem sem destino,
neste cavalgar, desde menino,
nas rédeas do tempo a me levarem,
a carne apodrecendo, a me tragarem de volta,
me puxam de volta, nos puxam de volta,
de volta ao tempo, de volta à morte, 
anterior às nossas vidas,
e posterior às vividas,
vívida alma, que arde sempre,
sempre desperta,
sempre olhando pro horizonte,
sempre sabendo donde,
donde a curva termina pra si,
donde os dias param de ser contados,
donde o relógio termina,
em qual data, em qual poema*
donde o brio se reduz ao nada,
donde tudo, e tudo assim, naufraga,
derrama a si, sua substância,
e com a areia e o vento,
sopra toda vida,
os gritinhos de júbilo, desde a manhã infância,
dos desejos ao meio dia, 
a maçã, sempre suculenta,
do entardecer,
que já é hora de fechar as janelas,
os sentidos que a vida agrega,
que a linda música um dia alegrou,
e entristeceu,
que a melancolia, mesmo a harpa-guia,
introspectiva, mesmo ela, 
mesmo teimosa e aguerrida,
a nos segurar, e a se segurar,
mesmo ela, um dia adormeceu,
e assim morre o poeta,
que viu a vida num rabiscar infantil,
com cores de sua criança,
de seu jovem corpanzil,
de seu adulto, o mais tolo momento,
ao ancião,
em derradeiro e sedento,
com sede de descanso, enfim,
estes olhos tristes e espertos,
que a tudo vê,
que é de tudo,
que é também, mesmo assim, pequenino,
a tudo,
é infinito,
em seus sentidos,
pois define o simples ato,
o simples existir,
volta a ser um sentido,
se a vida são muitos...



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