domingo, 24 de julho de 2016

Analogia sobre a facilidade humana para aprender a falar uma língua e a de aprender a ler, escrever, expandir o vocabulário e entender o significado das palavras

O ser humano parece que foi moldado para o rápido aprendizado da linguagem visto que a menor exposição à mesma, em especial nos primeiros anos de infância, tende a resultar em seu aprendizado praticamente a nível instintivo. Da mesma maneira que somos geralmente velozes para aprender uma língua durante os primeiros anos de vida, também somos, porém mais diversamente assimétricos e portanto menos universalmente homogêneos, para aprender capacidades mais específicas da mente humana. Existe a ideia de que a criança aprende rápido por ter um cérebro mais criativo. No entanto, um cérebro mais plástico (e ainda em formação) necessariamente não quer indicar ou resultar em criatividade. Eu já me questionei se isso é verdade em um texto que fiz sobre o assunto. Por exemplo. O caso mais famoso de "criança feral", da Ucrânia. Atualmente, a até então menina que agia como um cachorro por (supostamente) só ter convivido com cachorros durante os seus primeiros anos de vida, parece ter aprendido muito bem a linguagem humana já adulta. Parece "hardware" a nossa capacidade para aprender uma língua mas especialmente se for a nossa primeira língua ou "materna". Em compensação parece mais difícil para o ser humano médio aprender mais de uma ou duas línguas. O cérebro infantil, provavelmente por ser muito mais plástico, torna a possibilidade de aprendizado veloz muito mais viável. Ao longo do tempo esta plasticidade que pode resultar na criatividade vai se ossificando tornando o cenário infantil bem mais difícil de se prolongar por "toda" vida, em especial para os não-poliglotas. 

Claro que esta realidade parece se encaixar perfeitamente com a 'minha' ideia da ''metáfora dos elásticos, da corrida com obstáculos...'' enfim, todas as minhas tentativas de explicar essas diferenças. Isto é, se há ''mais espaço no cérebro'' para aprender mais de uma língua então o indivíduo, em especial aquele que tiver este tipo de cérebro, quando exposto (minimamente falando, isto é, sem grande necessidade de incentivos constantes ou intensos para esta tarefa) à possibilidade de aumentar o seu número de línguas aprendidas, o fará sem grande dificuldade. Isso quer indicar que o seu ''elástico'' ou potencial--facilidade para continuar neste caminho, isto é, superar com facilidade os obstáculos, será muito maior. Talvez nenhum ''aprendizado'' se sustentará por toda uma vida se não estiver diretamente/intrinsecamente relacionado com as suas potencialidades/facilidades individuais. 

O cérebro adulto do ser humano médio carregado de aprendizados tende a se tornar progressivamente menos plástico e portanto menos apto para aprender novas torrentes de habilidades ou técnicas.

 Também parece existir a noção popular que o aprendizado do vocabulário encontra-se bem mais influenciado por circunstâncias ambientais do que por exemplo o aprendizado da matemática. Pode ser parcialmente verdade mas eu tenho a impressão que esta é uma noção superficial e que portanto tenha mais nuances do que a sua conclusão.

Da mesma maneira que o aprendizado da linguagem especialmente da primeira linguagem parece ser "hardware" entre boa parte dos seres humanos o potencial para aprender a verbaliza-la por meio da escrita também parece ser " parcialmente hardware" mas menos universal e portanto mais assimétrico/desigual do que a primeira. Isto é,  o potencial para o aprendizado do vocabulário precisa da exposição mínima do mesmo para que possa ser ao menos conhecido. A partir desta primeira etapa, nas escolas, as crianças humanas apresentarão diferentes níveis ou facilidades para aprende-lo,  desenvolve-lo, de um nível simples para um nível complexo. Um cérebro zero-bala, fresco, sem qualquer memória ambiental (e 100% preenchido por ''memória genética/genotípica''). Podemos nos comparar aos carros e os carros recém saídos da fábrica seriam como as crianças recém nascidas. Assim como cada carro já apresenta as suas próprias características de fabricação o mesmo acontecerá com qualquer criatura orgânica. Nascemos com um modelo de possibilidades cravado em nossos genes, em nosso código genético. E claro que o ambiente terá um papel, porque não existe vida sem cenário. 

O desgaste da vida ou  o envelhecer também é se "contaminar" de "memórias ambientais" ou lembranças. Assim como acontece com os carros que ''nascem'' zero-quilômetro e ao longo do tempo vão se acumulando de ''memória ambiental''.


A memória ambiental e em como que a gerenciamos define os nossos comportamentos, e essas ''memórias'' funcionam como gatilhos para as ações que delas se originam.

Eu não concordo que a inteligência verbal seja menos genética que a inteligência não-verbal, porque na verdade esta primeira também é um tipo de inteligência não-verbal. A inteligência verbal esconde ou omite aquilo que de fato é. As palavras são como roupas para o corpo, e se é o corpo aquilo que veste, então as palavras não podem ser o fim em si mesmas, mas o corpo, o fim e também o começo, que em um mundo honesto ou apenas analiticamente honesto serão os mesmos. 

As palavras representam categorias de tudo aquilo que existe, enfim de tudo. A priore aquele que compreende melhor as palavras seria um conhecedor mais afiado do mundo, mas isto tem sido provado parcialmente inconclusivo visto que existe uma grande proporção de pessoas verbalmente inteligentes que ao invés de atenderem à expectativa desta lógica proposta, em que as palavras vestem a realidade, que lhe dão simbologia associativa entendível, fixam uma ideia por meio da comunhão da palavra ou símbolo com a existência de algo que está sendo observado e aceito como existente, caminham para o caminho oposto. Em um mundo povoado por humanos, outra população se fará numerosa e complementar ao número de humanos, e será a de distrações. O mundo humano tomou a sua própria confusão voluntária, em especial para compreender o mundo abstrato, enquanto ''subjetividade'' ou ''complexidade'', mas que na plena verdade factual/física se consiste na continuidade da concretude, só que agora por meio daquilo que o mundo concreto emana ou expressa (abstrações), ao invés de apenas a observação e compreensão factual instantânea via percepção sensorial + interpretação da mente (verdade objetiva).

Para entender a realidade do comportamento humano e de sua natureza transcendentalmente híbrida, há de se focar no espectro instinto-domesticação, que simplesmente define o ser humano em suas muitas pluralidades comportamentais. Os mais instintivos, que já nascem cientes de si, de suas identidades, tendem a compreender o mundo sob o mesmo ponto de vista que é operacionalmente similar a idêntico a de outras formas de vida que não foram domesticadas e portanto tendem a agirem de acordo. Entender pelo instinto também é entender o mundo natural por si mesmo, melhor do que o domesticado, humano ou não. No entanto, a compreensão apenas instintiva ainda será altamente tendenciosa, ainda que o ser humano tenha se desenvolvido a ponto de ser entendido como ''nascido para compreender de modo inicialmente equilibrado a verdade objetiva ou realidade imediata/sensorialmente direta, por si mesma''.

A redução do instinto também significa a redução da auto-consciência irreflexiva ou intuitiva, isto é, sem grande ou mesmo qualquer reflexão quanto a si mesmo e no entanto de ainda ter um autoconhecimento ''primitivo'' (primário), sobre quem é. Por um lado abre espaço para o aprendizado de novas técnicas/realidades assim como também para o contestamento da realidade ''natural'', isto é, para a reflexão. Por outro lado reduz o reconhecimento intuitivo ou não-verbal da realidade ''natural'', concreta ou da (continuidade da) verdade objetiva. A domesticação parece que corta a evolução da percepção humana que em condições normais evoluiria ou caminharia para a ''zona habitável da sabedoria''. A redução do instinto reduz também o auto-centrismo (e egoísmo) e nos ajuda a entender aquilo que somos só que de maneira impessoal, por exemplo, a de que apesar de sermos nós, o ''eu'' se consiste em uma construção de si mesmo, e não necessariamente em uma coisa absolutamente integrada, se é pouco provável que tal coisa exista, e se de fato toda coisa que aparenta integridade física nada mais é do que um sistema, uma construção, com suas partes inter-ligadas. O ''eu'' absoluto é impossível assim como também um ''livre arbítrio'', o seu completo oposto. No entanto, a domesticação nos torna menos cognitivamente espertos/socialmente não-verbais e mais naturalmente servis. Criticamos, questionamos, enquanto domesticados humanos, em especial do tipo ''outsider'', mas sem a sabedoria, este tipo de padrão de comportamento/expressão se torna incompleto.

Como eu propus em um texto anterior, o sábio seria justamente aquele que combina perfeitamente instinto (calculismo lógico) com domesticação (docilidade/emoção). 

O aumento da capacidade de aprendizado, isto é, de apreender algo além de si mesmo, enquanto o ''eu instintivo'' ou simplesmente instinto, tende a se relacionar com maiores capacidades cognitivas como a verbal. Isso pode nos ajudar a entender o porquê de tantos verbalmente inteligentes não serem, de acordo com a lógica acima, conhecedores natos do corpo ou realidade que as roupas ou palavras vestem. Eles sabem mais das ''roupas'' do que de anatomia, ;)

O sábio é justamente aquele que melhor pode compreender a realidade humana, em especial, em toda sua base plural de camadas categóricas, do instinto não-verbal à própria realidade das invenções simbólicas humanas como as palavras. O sábio é aquele que consegue prover esta união dos dois mundos que a humanidade encontra-se dispersada. O tamanho do vocabulário nem sempre significará o seu entendimento prático, isto é, ver nas palavras que estão sendo usadas com utilidade vital, por meio de seus significados mais puros e portanto corretos, e usando-os como peças para o entendimento e harmonização ou maximização da construção de um mundo objetivamente perfeita, que mais se relaciona com o instinto e com a emoção, a aplicação decisiva e absolutamente correta da filosofia na vida humana. Novamente, esta parte que está um pouco fora do assunto principal do texto contribui enquanto uma continuidade do texto sobre instinto, inteligência e domesticação.

O instintivo sabe apenas de sua verdade biológica, de maneira literal, desde quando nasce e cresce integrado, coeso à esta sua alienação natural. O domesticado, em específico o humano mas também os muitos tipos de outsiders, podem entender a verdade além da biológica, ainda que a maioria deles não o fará de modo precisamente sábio, ao se verem mais abertos para novas ideias, do que o instintivo, inclusive àquelas de tom mais filosófico e portanto holisticamente profundo. E o sábio, novamente, se consiste nesta perspectiva intermediária altamente vantajosa, uma espécie de vigor híbrido perceptivo entre as duas ''espécies'' transcendentalmente opostas.

Como eu já devo ter falado antes neste e no velho blogue do ''santoculto'', a inteligência verbal, ou melhor, a capacidade técnica de ler, escrever, desenvolver o vocabulário e compreender o significado das palavras, esconde a verdadeira natureza deste tipo de cognição que também é obviamente ''não-verbal'', e se relaciona à compreensão sensorial e percepção/interpretação mental, humanamente equilibrada, da verdade objetiva, em sua base, em suma, na compreensão da realidade, e a continuidade desta compreensão do mundo físico, em direção ao mundo abstrato ou  expressões/ondas vibratórias que emanam da concretude plural (quantitativa ou matemática) ou qualitativa.


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